Por Jeferson Miola –
De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, o adjetivo inabalado significa: – “que não está abalado; firme, seguro”.
Soa um tanto demasiado, portanto, rememorar-se o primeiro aniversário do 8 de janeiro como o triunfo de uma democracia “inabalada”; de uma democracia segura, firme. A democracia não está segura; não pelo menos ante ameaças consideráveis e tentativas constantes de fraturas democráticas.
Há uma estabilidade precária. A qualquer descuido, a situação política e institucional do Brasil pode ficar de cabeça para baixo; de pernas para o alto.
Esta é a realidade neste contexto de polarização intensa e de “empate ideológico” entre a esquerda e a extrema-direita tanto de caráter fascista como não-fascista.
Os atores que esgarçaram a democracia e abalaram as bases do poder civil no Brasil estão fortes e conseguindo reconfigurar suas lógicas de poder, controle e tutela. O ministro José Múcio foi notavelmente útil para isso.
Impunes, os militares sentem-se liberados para repetirem a tentativa novamente. Farão isso na primeira oportunidade que surgir. Eles têm a essência do escorpião.
No governo Lula, as cúpulas militares não foram acometidas por um súbito compromisso legalista. Apenas se mimetizam de legalistas e democratas enquanto se reorganizam e se reposicionam para um novo assalto à democracia assim que puderem.
Governadores de mais de 50% do PIB nacional não cerrarão fileiras na ode à democracia “inabalada” que o governo Lula programou para rememorar o primeiro aniversário dos atentados ultradireitistas aos poderes da República.
Isso indica que talvez seja um tanto otimista proclamar-se uma democracia inabalada quando a maior parte do poder político e econômico do país dá de ombros para uma liturgia democrática de alto valor simbólico.
A democracia brasileira não só continua fragilizada e questionada por forças autoritárias bem representadas na sociedade brasileira e no sistema político e institucional, como segue ameaçada e tutelada.

Portanto, seria mais producente para a sobrevivência e fortalecimento da democracia se neste 8 de janeiro o Governo Federal, o Congresso Nacional, o Judiciário e as instituições da República firmassem um pacto pela memória, verdade e justiça de todo o processo que culminou nos atentados de 8 de janeiro de 2023.
O Brasil precisa de uma justiça de transição para identificar, processar e punir todos civis e militares que atentaram contra a democracia e o Estado de Direito e que, impunes, ficarão encorajados para tentar novamente.
Os setores da elite dominante que atentaram contra a democracia nos últimos 70 anos da história nacional são exatamente os mesmos – os mesmos de 1954, quando do suicídio de Getúlio Vargas; os mesmos do golpe militar de 1964; do impeachment fraudulento da Dilma em 2016; os mesmos da prisão farsesca do Lula em 2018 para permitir a eleição do Bolsonaro, e os mesmos que não aceitaram o resultado da eleição de 2022.
São sempre aqueles mesmos setores golpistas porque eles sempre desfrutam dos mesmos ambientes e das mesmas condições de impunidades e de anistias espúrias que protegem seus crimes.
Por isso é preciso se avançar muito, e com extrema urgência, para se afastar as ameaças que não permitem que a democracia brasileira seja, de fato, firme, segura e inabalável.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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