Por José Carlos de Assis –
O senhor Arthur Lira não preside a Câmara enquanto um poder institucional do Estado que ajuda o governo a desenvolver econômica e socialmente o país. Quer, simplesmente, fazer da presidência da Casa um instrumento institucional para garantir a posição que lhe assegurou, no governo Bolsonaro, o controle da caverna de Ali Babá, através do Centrão, e a que certos parlamentares (seriam apenas 40?) querem ter acesso de forma permanente através do chamado “orçamento secreto”.
O presidente Lula, obrigado pela composição do Congresso a conviver com forças conflitantes, encontra–se compelido a travar um combate constante para manter compromissos básicos do programa originário das urnas. Entretanto, da parte de muitos parlamentares, o compromisso básico é outro. Consiste em manter esquemas para desviar dinheiro público através de aprovação de emendas, uma distorção óbvia do presidencialismo em que vivemos.
O esquema, na prática, segundo me foi relatado por um informante que conhece há muito tempo os meandros da construção civil brasileira, funcionou da seguinte forma no governo Bolsonaro. O presidente estava determinado a assegurar sua reeleição a qualquer custo, e para isso precisava do apoio das construtoras. As maiores delas estavam insatisfeitas, já que, sob as luzes negras do neoliberalismo, já não havia grandes obras públicas a serem empreendidas.
O artifício, então, foi cooptar os médios e pequenos empreiteiros. Parlamentares ligados ao Centrão, operado de cima por Lira, aprovavam, mediante arreglos com seus colegas do Congresso, os projetos que seriam aprovados. Lira, mediante “negociação” com o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, escolhia, através de licitações fraudadas, os que seriam “oferecidos” a empresários de médio e pequeno porte. Médios que não se interessassem por eles repassavam-nos aos pequenos.
Todos recebiam propinas intermediárias.
Tudo funcionou muito bem até que a Polícia Federal descobriu, no Maranhão, uma série de contratos fraudulentos assinados por construtoras de fachada com a Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Alguns empresários e intermediários foram presos, e seus nomes noticiados (inclusive por mim, em blogs). A partir de determinado momento, porém, já não se falou mais nisso. Houve a transição de governo, e as dificuldades tremendas do 8 de janeiro.
A esmagadora maioria dos parlamentares do Centrão está envolvida nesse esquema dirigido por Lira. É isso, fundamentalmente, que o tem mantido na presidência da Câmara. E seus poderes de Ali Babá foram as fichas básicas com que tentou jogar também com Lula, sendo que o presidente resistiu, como ficou claro na medida em que conseguiu aprovar, sem concessões não republicanas, a reforma administrativa e o projeto do “arcabouço fiscal”. Não há, pois, divergências entre Executivo e Legislativo no governo da República. Há, sim, uma queda de braços em torno da apropriação do caixa do Tesouro, devidas à ação de Lira que o presidente repeliu.
Institucionalmente, o que existe por trás dos esquemas de corruptos e corruptores no Congresso é uma distorção absurda da organização dos poderes da República, que não dividiu claramente as funções do Executivo e do Parlamento. Ao Executivo competiria planejar e fazer obras. Ao Legislativo, aprovar o orçamento e sua execução. Na prática da qual se derivou o Centrão e seus esquemas, o Congresso assumiu funções de planejamento e de execução, através das emendas de parlamentares.
É por isso que o julgamento de Arthur Lira pelo Supremo Tribunal Federal na próxima semana assume um sentido histórico. Se Lira for condenado, e espero que o Supremo aja com rigor, nos livraremos de boa parte da fonte de corrupção no Congresso, já que, sem sua liderança, o Centrão será esvaziado pelo medo de seus integrantes de também enfrentarem a Justiça.
Que bom o regime democrático. Pelo menos em tese, os maus podem ser separados dos bons, e os últimos prevalecerão sobre os primeiros!
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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