Por Luiz Carlos Prestes Filho

O jornal Tribuna da Imprensa Livre traz entrevista exclusiva com Alexandre Santini. Gestor cultural, dramaturgo e escritor; formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO; mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF; e autor do livro “Cultura Viva Comunitária: Políticas Culturais no Brasil e na América Latina”. Nos anos de 2015/2016 Alexandre foi diretor de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura. Atualmente, dirige o Teatro Popular Oscar Niemeyer, em Niterói (RJ). Ele foi um dos coordenadores da articulação nacional que resultou no conteúdo final da Lei de Emergência Cultural.

Luiz Carlos Prestes Filho: Quais foram os principais motivos para criação da Lei de Emergência Cultural?

Alexandre Santini: O impacto social e econômico da pandemia de COVID-19 no setor cultural brasileiro foi devastador. A Fundação Getúlio Vargas estima que a cadeia produtiva da cultura perderá receitas da ordem de R$ 46,5 bilhões apenas este ano. Isso por conta da diminuição em 24% de sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), que regularmente atinge uma média de 4%. As consequências deste impacto serão longas. Até o momento sabemos que cinemas, teatros, centros culturais, espaços comunitários, bibliotecas, galerias de arte, quadras de escolas de samba, museus, etc. fecharam as suas portas. Não sabemos como será o futuro, quando a população voltará a participar de manifestações culturais. A partir da decretação do Estado de Emergência em Saúde e do Decreto de Calamidade Pública, surgiram diversas iniciativas. No Congresso Nacional a Deputada Federal Benedita da Silva apresentou o Projeto de Lei nº1075/2020. Ao assumir a relatoria deste, que ficou conhecido como Lei de Emergência Cultural, a Deputada Federal Jandira Feghali promoveu ampla escuta nacional através de diversas webs conferências e lives. Foram mobilizados secretários; dirigentes estaduais e municipais de cultura; gestores culturais; empresários; membros de conselhos de cultura; artistas; escolas de samba; coletivos independentes; circos; comunidades tradicionais; produtores, técnicos e profissionais setoriais. Sem qualquer impedimento político e ideológico. O texto foi se aperfeiçoando. No dia da votação do PL surgiu a ideia de batizar este dispositivo legal como: “Lei Aldir Blanc”. Merecida homenagem ao músico, compositor e escritor vitimado pela COVID-19. A votação na Câmara contou com ampla manifestação de apoio, tanto da bancada do governo como da oposição. Apenas o partido NOVO votou contra. No Senado Federal a relatoria de Jaques Wagner colaborou para o projeto tramitar com celeridade. Obteve aprovação em plenário, com a manutenção integral do texto original. Agora, após a sanção presidencial, inicia-se a etapa que é a de descentralização de recursos na ordem de R$ 3 bilhões. Temos que fazer com que estes cheguem na ponta com celeridade, critérios, eficiência e transparência.

Prestes Filho: A Lei de Emergência Cultural contempla segmentos da produção cultural e artistas independentes?

Santini: A lei prevê três mecanismos de apoio emergencial e fomento direto a diversos segmentos, incluídos produtores culturais e artistas independentes:

a) Auxílio emergencial a pessoas físicas;

b) Subsídios a espaços culturais e artísticos, cooperativas e organizações culturais comunitárias;

c) Editais, chamadas públicas, prêmios e aquisições de bens e serviços culturais.

Além destes mecanismos, que devem ser executados de forma descentralizada pelos estados e municípios, a Lei prevê a antecipação de recursos oriundos do Fundo Nacional de Cultura para projetos já aprovados e/ou em execução. Abertura de linhas de crédito especiais para o setor cultural com juros baixos e carência de 180 dias. Os cadastros de cultura e os editais realizados por estados e municípios serão portas de entrada para agentes culturais, artistas, produtores, profissionais, coletivos, cooperativas, produtoras e espaços culturais. Todos podem buscar os benefícios previstos na Lei. É fundamental que os gestores dos municípios e estados, em conjunto com conselhos de cultura, entidades e associações profissionais, se organizem para a atualização dos cadastros de cultura e na regulamentação de mecanismos que permitam que os recursos possam ser acessados.

Prestes Filho: Como será a liberação dos recursos?

Santini: Será um grande desafio institucional a execução de um volume tão expressivo de recursos em pouco tempo, compreendendo que embora o montante total seja alto, os valores unitários de cada benefício serão baixos, o que multiplica o volume de operações a serem realizadas por cada órgão responsável. Será também necessária a regulamentação e/ ou atualização dos cadastros de cultura: estaduais e municipais. Este processo precisa ser acompanhado do fortalecimento político e institucional dos conselhos e fóruns de cultura, como mecanismos de participação, transparência e controle social. Neste sentido, surge como iniciativa da sociedade civil a proposta de criação de um “Observatório da Emergência Cultural”. Plataforma de informação, mobilização, monitoramento e avaliação da execução da Lei Aldir Blanc. Este Observatório pode reunir os fóruns de gestores; conselhos estaduais e municipais de cultura; entidades da sociedade civil; e do setor privado como Serviço Social do Comércio (SESC), a Ordem de Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Academia Brasileira de Letras (ABL), Pen Clube do Brasil, sindicatos patronais e de trabalhadores; cooperativas; e associações profissionais, entre outros.

Prestes Filho: Qual é a sua previsão para o impacto da Lei de Emergência Cultural se traçar um paralelo com os orçamentos hoje disponíveis no Ministério da Cultura, Secretarias Estaduais e Municipais de Cultura do Brasil?

Santini: A Lei de Emergência Cultural destina recursos a todas as unidades da federação, de acordo com critérios populacionais e regras dos Fundos de Participação de Estados e Municípios. Pretendemos que chegue a 100% do território nacional. Apenas para ter uma dimensão, o programa Cultura Viva, no recorte histórico, entre 2004 e 2015, fomentou 4.733 iniciativas culturais, movimentou neste período R$800 milhões, considerando as contrapartidas de estados e municípios. A Lei Aldir Blanc prevê a descentralização de R$ 3 bilhões, sendo R$ 1,5 bilhão repassado diretamente aos estados e R$ 1,5 bilhão repassado aos municípios, de forma direta, através do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Temos no Brasil 2.452 municípios com a população de até 10.000 habitantes, dos quais muitos nunca receberam qualquer recurso público destinado – exclusivamente – à cultura.

Prestes Filho: Qual o impacto da Lei de Emergência Cultural se traçar um paralelo com os investimentos realizados através da Lei Rouanet nos últimos anos?

Santini: Em números absolutos, os R$ 3 bilhões previstos na Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, superam o valor total de recursos movimentados através da Lei Rouanet nos anos de 2018, 2019 e 2020. Em termos relativos, é uma distribuição mais descentralizada. A Lei Aldir Blanc, por outro lado, autoriza a prorrogação de prazos para a execução de projetos com recursos captados via Lei Rouanet e a antecipação de recursos para projetos apoiados pelo Programa Nacional de Apoio a Cultura (PRONAC) e pelo Fundo Nacional de Cultura (FNC).

Prestes Filho: Qual impacto da Lei de Emergência Cultural na Indústria Cultural do Brasil?

Santini: Os mecanismos previstos na Lei Aldir Blanc oferecem benefícios e subsídios que garantem acesso praticamente universal aos diversos segmentos que compõem o campo da cultura, em suas dimensões econômica, simbólica e cidadã. Aos estados e municípios, a Lei garante autonomia para a execução e descentralização dos recursos. Estipula a obrigatoriedade de que pelo menos 20% destes sejam aplicados em editais; chamadas públicas; prêmios; aquisições de bens e serviços produzidos pelo setor cultural. O mecanismo da Lei referente à aquisição de bens e serviços vai impactar na cadeia produtiva da cultura. Aquisição de livros, de obras de arte, compra de espetáculos e de programação de festivais, são exemplos de ações de fomento que podem ser realizadas. O texto da Lei, em seu Artigo 13, diz o seguinte: “devem ser priorizados o fomento de atividades culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e de plataformas digitais ou meios de comunicação não presenciais, ou cujos recursos de apoio e fomento possam ser adiantados, mesmo que a realização das atividades culturais seja possível após o fim da vigência do Estado de Calamidade Pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº6, de 20/03/2020.”

Prestes Filho: Como está o diálogo com os ministérios responsáveis? Em especial com a Casa Civil da Presidência da República?

Santini: A sanção presidencial deve vir acompanhada de Medida Provisória autorizando a liberação do crédito de R$ 3 bilhões. O Ministério do Turismo, através da Secretaria Especial de Cultura, enviou no dia 25/06/2020 comunicado a estados e municípios pedindo atualização dos dados relacionados aos mecanismos do Sistema Nacional de Cultura, em especial, a dos fundos municipais e estaduais de cultura, incluindo dados bancários. Sabemos que a maioria dos municípios brasileiros não tem órgãos ou sistemas de cultura ativo. Mas isso não será um impeditivo. A Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc veio para recompor o tecido político e social do país.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).