Por Ricardo Cravo Albin

“Nada mais justo que se empenhar à Mãe África a gratidão do Filho Brasil.” – Embaixador Alberto da Costa e Silva

Negritude e identidade representam hoje uma corrente conceitual a cada dia mais aclamada e estudada.  Essas palavras ganharam um acolhimento universal, capaz de mobilizar (e seduzir) ondas de solidariedade em todos os cantos do planeta.

Depois do martírio imposto a George Floyd nos Estados Unidos, considerado por pensadores americanos como o fato individual mais escabroso das décadas iniciais do século XXI, nós amargamos aqui no Brasil o dissabor de contabilizar dezenas de eventos de violência individual contra a raça preta, em especial os segmentos expostos à pobreza e ao desamparo mais extremos.

O Rio se aproxima do desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial mais original dentre todos, porque o primeiro a transgredir uma tradição inamovível, as duas noites clássicas de domingo e segunda do carnaval. Com a pandemia, ajustou-se que o carnaval ficaria transferido (para 22 e 23 de abril), quando os riscos da contaminação pandêmica estariam arrefecidos. O que foi um grande acerto por parte da LIESA e da Prefeitura. Sugeri até que o Desfile fosse dedicado ao Bicentenário da Independência (em 2022).

Cabe-me aqui observar uma originalidade para quem acompanha os desfiles por 50 anos ininterruptos, fazendo simpósios em universidades no exterior, além de comentários ao vivo para diversas redes de televisão da Europa e dos Estados Unidos. O interesse por esse desfile original em 2022 aumentou, ao que deduzo agora com clareza. Fez desabrochar um fator novo, essencialmente político, da conscientização da violência urbana contra os pretos. A passarela-sambódromo Darcy Ribeiro (não esqueçamos nunca do nome de seu criador) será transformada em Terreiro, em território livre a saudar a negritude. Isso ocorre pelo número majoritário de enredos específicos: oito das doze Escolas baterão seus tambores aos louvores da poderosíssima herança africana que nos povoa.

Todos, eu inclusive, acreditamos que seja este desfile histórico um grito que se alça aos céus do Brasil e do mundo contra os episódios racistas que aqui, acolá, nos envergonham aos olhos do mundo. Isso em tempos agudos de ataques às políticas de promoção de igualdade racial e social.

De fato, só me acudi dessa consistência política no desfile de daqui a pouco por conta dos convites que venho recebendo de veículos de comunicação estrangeiros para comentar esses enredos para a louvação da negritude, ao menos no Brasil, embora tantos crimes raciais se tenham feito presentes desde sempre, vivenciados ainda mais dolorosamente depois da vitimização universal de George Floyd.

Sem privilegiar preferências para com os temas das oito escolas desta “Onda de Negritude”, lembro que tal fenômeno jamais ocorreu. A não ser em anos de quase obrigatória temática única como no quarto centenário do Rio (1965), ou mesmo na Celebração da Extinção da Escravidão (1988).

Pelo que deduzo nas tratativas com redes internacionais que transmitirão o desfile, a Beija Flor e o Salgueiro estarão na preferência dos europeus. De fato, Nilópolis virá para “empretecer” o pensamento. Que trará encenações teatrais, inclusive citando Floyd.

Já o Salgueiro, que desfilou com 18 enredos negros, lançou “Resistência”, cujo símbolo, o Punho Cerrado, trará 170 ativistas e intelectuais negros, entre os quais minha amiga Helena Teodoro. Já a Mocidade (com Oxóssi) e a Grande Rio (com Exu) trarão os orixás pretos da África profunda.

Homenagens individualizadas tem seu ponto alto na Vila Isabel, que celebra não sem tempo Martinho da Vila. Também a Mangueira se ajoelha a três ícones pretos, suas crias Cartola, Jamelão e o mestre-sala Delegado.

Já a Portela reverencia, em tempos de defesa do meio ambiente, a árvore baobá, a ancestralidade da terra nativa. Enquanto minha querida Paraíso do Tuiuti realçará figuras da história do caleidoscópio preto como Mandela, a bailarina Mercedes Baptista e Mãe Stella de Oxóssi.

Em resumo, como sempre acentuou uma das maiores autoridades sobre o legado africano, o escritor e diplomata Alberto da Costa e Silva “nada mais natural e justo que se empenhar à Mãe África a gratidão do Filho Brasil.”

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Carlos Alberto Serpa – Idealizador e presidente da Fundação Cesgranrio, desde 1971, quando a entidade foi fundada. (Divulgação)

P.S.1– A celebração dos 80 anos do educador Carlos Alberto Serpa na Igreja do Outeiro da Glória fez resplandecer a “Ordem Soberana de Malta”, quando o também provedor da Igreja e Presidente da Ordem, empresário Renato Abreu, entregou-lhe Diploma de Comendador, sob as vistas do Cardeal Dom Orani, celebrante do ato religioso.

P.S.2– O Consul Geral de Espanha no Rio, Embaixador Luiz Prados, assumirá em Madrid um dos cargos mais relevantes da cultura espanhola. E foi homenageado no Instituto Cravo Albin da Urca, com coquetel oferecido pelo jornalista Claudio Magnavita, Presidente do Conselho Consultivo da Radio Roquette Pinto.

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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