Por Lincoln Penna –
Tenho insistido na tecla de que estamos no limiar de uma transição política, não o faço por mera teimosia, mas em razão dos rumos dos acontecimentos políticos do Brasil. E dois sintomas são bem evidentes, de um lado o desespero de um governo acuado, que a exemplo das feras nessa situação, são sempre perigosas. E, de outro, o ritmo alucinante, da pandemia.
As transições mais relevantes historicamente foram marcadas por momentos de grande tensão quando não de profundas seqüelas provocadas por tempos amargos, plenos de violência estimulada pela intolerância e assinalados pela incapacidade dos atores políticos em construir um consenso mínimo de governabilidade.
Em alguns casos, essas experiências de transição se deram em meio a guerras ou a catástrofes naturais que abalaram a nação e seu povo. Em outras ocasiões, elas ocorreram após a vigência de um largo período de repressão política, ideológica e institucional, a promover expurgos de seus cidadãos e massacres a atingir oponentes e por vezes povos perseguidos pela política de segregação de governos totalitários.
No caso brasileiro atual, trata-se de um governo que tem um objetivo: o de impedir o retorno de governos voltados para ações que reduzam progressivamente o fosso social num país já segregado pela desigualdade social, que para esse governo nada mais é do que um programa de implantação do comunismo. E não está sozinho nessa obsessão. Ela traduz o que pensa uma parte bem nascida e abastada do povo brasileiro, incluindo, é claro, a classe média urbana em suas diversas formatações.
Para dar forma e conteúdo à proposta desse objetivo do governo, a Constituição vigente é um dos obstáculos. Com ela se junta como entrave a ser removido o Superior Tribunal Federal (STF), seu guardião por dever de ofício, que passou a se tornar, por isso mesmo, o desafeto, senão o inimigo a ser batido pelas hostes governistas mais exaltadas.
Entendem os fanáticos governistas que não basta centrar fogo nos núcleos partidários que formam a representação da oposição. É preciso abrir caminho para a ampliação dos poderes do executivo federal, logo fortalecer o presidente da República na sua incessante busca para se tornar um ditador.
Ao contar com os apoios que o fizeram presidente, vale dizer os gordos interesses econômicos e financeiros e a complacência de grande parte das Forças Armadas, fora os miúdos, desinformados e reféns provenientes de cultos oportunistas a monitorar a pobreza material e espiritual do povo sofrido para dar base social a esse governo; sua trajetória não contava com o surto da pandemia que nos atinge. Este obstáculo não estava e nem podia estar no horizonte de ninguém, mas foi um teste para demonstrar a todos tratar-se de um governo do engodo, da mais fria e incompetente capacidade de liderar um povo e a atender minimamente suas necessidades.
Os próximos meses serão mais trágicos ainda. Faz parte do processo de desmonte gradual de um modo de vida que caminha lentamente em busca de alternativas diante dos males acumulados pela inércia consciente de quem representa a parte saudosista e ao mesmo tempo revanchista dos herdeiros do golpe de 64. Os saudosistas que lucraram nos tempos dos generais ditadores e os revanchistas que haviam se abrigados nos porões da ditadura e que jamais aceitaram a retomada das liberdades democráticas.
O desafio está em conseguir superar a pandemia, e isto só pode ser alcançado através de um grande mutirão, cuja dimensão deve estar na perspectiva de uma união nacional e, portanto, acima de vieses ideológicos porque se trata de uma operação de salvação nacional. A vitória que se conseguiu alcançar por parte dos que combateram os regimes de força, o nazifascismo, por exemplo, foi o resultado dessa unidade dos contrários.
Assim, a advertência que proponho se aplica aos que desejam derrotar os dois males que nos afrontam. O governo movido pelo ódio contra os que a ele se opõem e cuja orientação é a de excluir os que pensam diferente do mito a governar uma tribo e não uma nação; e, as forças sociais que prezam o bom senso, a razoabilidade, os princípios civilizatórios, independentemente de suas convicções político-partidárias.
Há momentos em que a lógica da luta de classes não deve ser um impedimento para um esforço conjunto pela vida de todos. Depois, a luta continua.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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