Por Jorge Folena –

No episódio do programa Soberania em debate que foi ao ar no dia 02 de julho de 2021, pelo canal do Movimento SOS Brasil Soberano (do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro), tive a grande satisfação de, ao lado da jornalista Beth Costa, debater com o cientista político Bruno Paes Manso, autor do livro “A República das milícias – Dos Esquadrões da Morte à era Bolsonaro”.

Considero esse livro do Bruno um corte profundo no pensamento político brasileiro, uma vez que o autor conseguiu descrever a conformação do vigente modo de pensar e agir político, que vem ganhando cada vez mais espaço nas instituições políticas brasileiras, de tal modo que certos agentes, que tempos atrás pertenciam ao submundo, agora se elevam na estrutura de poder.

Obviamente que não constituem ainda uma classe ainda dominante, mas esses agentes, nos quais muita gente não acreditava ou pensava que ficariam sempre sob controle, estão dando as cartas em parlamentos e governos, impondo a seu modo negócios que ampliam a exploração dos mais vulneráveis e, até mesmo, passando a exigir pagamentos em troca da prestação de segurança aos mais abastados no país.

O entrevistado demonstrou como, desde o final dos anos cinquenta, em decorrência do crescimento das cidades brasileiras e a partir das exigências de uma classe média egoísta, teve início a formação de “esquadrões” de policiais com a “missão” de limpar as ruas de gente pobre, negra e nortista.

Ao longo de mais de sessenta anos, o que se viu foi a crescente ocupação do espaço político por muitos desses agentes, que contaram com o forte apoio da última ditadura militar brasileira, à qual se associaram agentes da contravenção e do crime em sua escalada de violência e torturas.

E são esses os mesmos que agora exercem todo tipo de pressão, inclusive ameaças de golpes institucionais, para fazer retroagir o sistema de votação, que, pela sua vontade exclusiva, deixaria de ser eletrônico para voltarmos à cédula de papel, sob o falso pretexto de conferir mais segurança às eleições, quando o seu real intento é o controle total dos eleitores. Pois, ao passo que não conseguiram até hoje apresentar uma única prova das supostas fraudes das urnas eletrônicas, é muito fácil substituir urnas inteiras com votos de papel (com inúmeros exemplos ocorridos no passado).

O grupo que se encontra hoje à frente do governo do país defende abertamente valores contrários à Constituição, como a prática da tortura, incentiva o racismo e manifesta preconceitos generalizados. O governo que jurou de morte o “politicamente correto” no dia de sua posse, para se manter em evidência utiliza como força motriz a manipulação do ódio, a banalização da indiferença pelo sofrimento dos mais vulneráveis e o incentivo à prática de atos antidemocráticos.

Entretanto, muito mais grave do que tudo isso foi assistirmos na CPI da Covid, em curso no Senado Federal, ao desvelamento das tramas urdidas para viabilizar toda sorte de negócios estranhos no curso dos processos de aquisição das tão necessárias vacinas anticovid-19, que deveriam ter sido adquiridas muito mais rapidamente.

Ao longo dos depoimentos à CPI, nos deparamos com a existência de grupos de pessoas com interesses escusos, que disputam entre si a ocupação de postos-chave que possam lhes possibilitem a realização de transações duvidosas, como está sendo investigado.

Na verdade, esse grupo despreza a república instituída na Constituição (que estabelece a igualdade e a transparência como princípios fundamentais) e tenta impor uma outra, na qual os privilégios e as práticas obscuras venham a prevalecer e até mesmo tornar-se rotina.

É o que temos visto o todo tempo, com o governo tornando inacessíveis ao público os seus atos, sendo alguns classificados como sigilosos por até cem anos, como ocorreu no caso da absolvição administrativa, concedida pelo Comandante do Exército em favor do ex-Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, que violou flagrantemente as normas disciplinares da força militar.

Atravessamos um momento difícil e delicado, pois esse grupo impõe o medo, o terror e a insegurança e os utiliza como elementos vitais para manter-se no governo; seu modus operandi nada mais é do que abrir o caminho para “passar a boiada” em quase tudo, ao custo de destruir irremediavelmente o país. Pois a república deles não é a da democracia, do Estado de Direito, da pluralidade ou da dignidade da pessoa humana, como preconiza a nossa Constituição.

Daí a necessidade de todos participarmos dos movimentos populares, que finalmente vêm ganhando as ruas do país, único caminho para darmos um basta ao governo autoritário, que destrói a ordem constitucional e tenta nos jogar em um tipo de estado fundamentalista, mediante a imposição de um discurso moralista, de fachada, que não resistiria a uma investigação feita com seriedade.


JORGE FOLENA – Advogado e Cientista Político; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros e integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano/Senge-RJ. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.