Por Lincoln Penna –

Desculpe o óbvio, mas as vezes ele precisa ser invocado. O fascismo é uma prática, que nem sempre se torna um regime político a ponto de ancorar o Estado e arrastar consigo sua gente. Como prática tem desenvolvido um método de atuação política que discrimina e criminaliza a quem com ele não se identifica ou o combate.

Lida com o passado como eternidade a ser mantido e cultuado. Mais do que o culto do passado pelo passado manifesta o seu apreço pelas tradições impostas pelo poder de mando e não por aquelas derivadas das crenças e artes populares. Não é por acaso que a evocação de Deus, Pátria e Família, reabilitada por Bolsonaro, tornou-se o pregão de uma tendência manifestadamente voltada para a articulação de uma Internacional Anticomunista coordenada por Steve Bannon, ex-assessor de Trump e o senador Eduardo Bolsonaro, o zero 03.

Ridículo, caricato, são adjetivos que a grande maioria certamente aplicaria diante de tal iniciativa a promover a oposição às esquerdas em todo o mundo. O fato, – e é bom lembrar,-foi assim, ridículo, caricato e outros adjetivos possíveis, que Hitler escalou sua ascensão ao poder numa Alemanha destroçada. Da mesma forma, Mussolini havia surgido cerca de dez anos antes como um canastrão na política. Desacreditado pelos críticos de plantão empolgou uma Itália em frangalhos.

O Brasil não pode ser comparado aos destroços que afetou os países vencidos na Grande Guerra de 1914, uma Primeira Guerra Mundial que teve como cenário praticamente único a Europa. Mas, os nossos destroços vêm de um passado não tão glorioso como o daqueles países, que num dado momento histórico chegaram a se tornar grandes nações a trazerem consigo cargas não desprezíveis de autoestima. Ao contrário, como país escravocrata temos um contencioso não resolvido e que tarda a ser enfrentado corajosamente. Deste passado resulta a nossa imensa desigualdade social e a manutenção de estruturas obsoletas, arcaicas, sem falar de uma cultura política racista.

Esse é um terreno fértil para as transformações, que mesmo retardadas são gritantemente necessárias. Contudo, as forças da Casa Grande têm se aliado a grupos emergentes avessos por razões distintas ao crescimento dos movimentos sociais inclusivos, que não param de crescer no vasto e desigual território brasileiro. Para conte-lo, o apelo a formas extralegais, comuns principalmente, por sinal, às classes dominantes em países de passado colonial.

Pena que nas eleições municipais as lideranças do campo democrático não tenham entendido que o principal adversário é e continuará sendo o presidente Bolsonaro e seus mais ferrenhos ideólogos. No Rio de Janeiro, as duas candidaturas desse campo se bateram para disputar a primazia de vencer o atual prefeito. Na soma dos votos seria possível, mas divididas não lograram senão amargar a frustração de não terem alcançado os seus objetivos. O que, aliás, já era previsto.

Nas grandes capitais o fenômeno bolsonarista se esvaiu. E o presidente conheceu um rotundo NÃO. Foi derrotado e no caso de alguns Estados essa derrota se fará consolidada no segundo turno das eleições. É preciso deixar claro o seguinte: a derrota de Bolsonaro é uma vitória da democracia e da civilização contra um projeto autoritário que caminha para o totalitarismo, caso essa advertência seja considerada exagerada em razão de se fundamentarem na solidez do estágio democrático que alcançamos, o que há controvérsias, que precisam ser debatidas.
Creio que o melhor caminho, inclusive e sobretudo para os partidos, é a criação de uma Frente Civilizatória necessariamente ampla não para governar, mas para derrotar o instinto protofascista do governo federal. Nela deveriam estar incluídos todos os que de alguma forma se manifestam contra as truculências e desatinos do presidente. Neste caso, trata-se de uma Frente de todos os lados justo para barrar a possibilidade de permanência de um governo que só tem olhos para sua reeleição.

Por sinal, com a pandemia já era o caso de se criar essa Frente Sanitária A Favor da Vacinação Obrigatória de cunho pluripartidário a reunir todos os que acreditam na força e eficácia da ciência, da tecnologia, da educação e da cultura, áreas nas quais o governo Bolsonaro não só despreza como ataca de forma sistemática. A propósito, o ídolo de Bolsonaro, o coronel Brilhante Ulstra, torturador de presos políticos, defendeu o combate a supostas propagações de conteúdos da ideologia comunista que seriam difundidas através dessas áreas, a quem com ele não se identifica ou o combate.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.