Por Siro Darlan e Silvana do Monte Moreira –
Série Especial: ADOÇÕES – Parte V.
Esta série do Jornal Tribuna de Imprensa Livre busca esclarecer algumas dúvidas comuns a quem pretende adotar uma criança ou um adolescente. Outras informações podem ser obtidas nas Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente ou junto às Varas da Infância e Juventude ou, ainda, junto a um dos grupos de apoio à adoção.
O processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado na Vara de Infância e Juventude mais próxima de sua residência. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.
Nas comarcas em que o novo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento tenha sido implementado, é possível realizar um pré-cadastro com a qualificação completa, dados familiares e perfil da criança ou do adolescente desejado.
Para atender todas as exigências legais para constituir uma família adotiva, confira os passos necessários:
1º) Você decidiu adotar
Procure o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da sua cidade ou região, levando os seguintes documentos*:
1) Cópias autenticadas: da Certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável;
2) Cópias da Cédula de identidade e da Inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);
3) Comprovante de renda e de residência;
4) Atestados de sanidade física e mental;
5) Certidão negativa de distribuição cível;
6) Certidão de antecedentes criminais.
*Esses documentos estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas é possível que seu estado solicite outros documentos. Por isso, é importante entrar em contato com a unidade judiciária e conferir a documentação.
2º) Análise de documentos
Os documentos apresentados serão autuados pelo cartório e serão remetidos ao Ministério Público para análise e prosseguimento do processo. O promotor de justiça poderá requerer documentações complementares.
3º) Avaliação da equipe interprofissional
É uma das fases mais importantes e esperadas pelos postulantes à adoção, que serão avaliados por uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário. Nessa fase, objetiva-se conhecer as motivações e expectativas dos candidatos à adoção; analisar a realidade sociofamiliar; avaliar, por meio de uma criteriosa análise, se o postulante à adoção pode vir a receber criança/adolescente na condição de filho; identificar qual lugar ela ocupará na dinâmica familiar, bem como orientar os postulantes sobre o processo adotivo.
4º) Participação em programa de preparação para adoção
A participação no programa é requisito legal, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para quem busca habilitação no cadastro à adoção. O programa pretende oferecer aos postulantes o efetivo conhecimento sobre a adoção, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial; fornecer informações que possam ajudar os postulantes a decidirem com mais segurança sobre a adoção; preparar os pretendentes para superar possíveis dificuldades que possam haver durante a convivência inicial com a criança/adolescente; orientar e estimular à adoção interracial, de crianças ou de adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos.
*Sempre que possível e recomendável, a etapa obrigatória da preparação incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional, a ser realizado sob orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica. Esse período reflexivo é, geralmente, oferecido pelos grupos de apoio à adoção conveniados para tal. Os grupos de apoio à adoção são entidades da sociedade civil organizada, com ou sem formalidade jurídica de constituição, que prestam serviços de forma voluntária aos pretendentes à adoção. Os GAAs, como são chamados, atuam na pré e pós adoção.
5º) Análise do requerimento pela autoridade judiciária
A partir do estudo psicossocial, da certificação de participação em programa de preparação para adoção e do parecer do Ministério Público, o juiz proferirá sua decisão, deferindo ou não o pedido de habilitação à adoção.
Caso seu nome não seja aprovado, busque saber os motivos. Estilo de vida incompatível com criação de uma criança ou razões equivocadas (para aplacar a solidão; para superar a perda de um ente querido; superar crise conjugal etc.) podem inviabilizar uma adoção. Você pode se adequar e começar o processo novamente.
A habilitação do postulante à adoção é válida por três anos, podendo ser renovada pelo mesmo período. É muito importante que o pretendente mantenha sua habilitação válida, para evitar inativação do cadastro no sistema. Assim, quando faltarem 120 dias para a expiração o prazo de validade, é recomendável que o habilitado procure a Vara de Infância e Juventude responsável pelo seu processo e solicite a renovação.
O prazo máximo para conclusão da habilitação à adoção será de 120 dias, prorrogável por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
Vamos aos depoimentos dos adotados
Eu e meu irmão do meio fomos pro abrigo juntos, eu tinha 7 anos e ele 6. Nosso irmão mais novo foi só dois meses depois, ele ainda não tinha 1 ano.
Nós não sabemos porque fomos pro abrigo, só sei que alguém fez uma denúncia.
Eu soube que meus pais me adotariam no dia do meu aniversário de 10 anos. Gostei de vir morar no Rio de Janeiro e acho eles legais. Em casa eu preciso estudar, ajudar com a limpeza e com o bebê que nasceu este ano. Eu já imaginava que a minha mãe ia ter um bebê porque meu irmão mais novo vivia pedindo um neném. Só que ele queria uma menina.
Quando cheguei na minha família eu ia para as reuniões do pós adoção e conheci outras crianças que também moraram em abrigos e agora tinham família. Eu gostava um pouco dos encontros. Meus irmãos brincavam muito.
Agora estou com 13 anos, estudando no 7°ano, meus irmãos estão com 11 anos, no 4° ano, e 7 anos, no 1° ano.
Meus pais vão falar um pouquinho da minha família.
Quando conhecemos os nossos príncipes estávamos movidos simplesmente pelo desejo de sermos família.
Nada mais importava.
A nós não interessava cor, idade, sexo. Queríamos compartilhar como família, educar, ensinar, brincar. E assim aconteceu. Claro que esperávamos começar a empreitada com 1 filho. Não imaginávamos que em menos de 4 meses iriamos do 0 ao 3 sem freios.
Foi um começo assustador, cheio de desafios, preocupações, medos, mas também rodeados do amor e da alegria que uma casa cheia de crianças pode proporcionar.
Quando os meninos saíram do abrigo, estavam cheios de medos, traumas, conflitos, sem entender o motivo de terem sido “presos” pela polícia sem terem feito nada de errado. Tivemos que começar a construir uma nova história, e, junto com ela uma nova perspectiva de vida.
Desconstruir uma falta de fé no futuro tem sido nosso maior desafio, principalmente quando pensamos no mais velho, que aos dez anos acreditava não ser mais possível ser inserido em uma família.
Hoje começamos os desafios da adolescência, com muitos bicos, reclamações e questionamentos quase impossíveis de serem respondidos, para tais situações optamos por levar com bom humor, já que este é só nosso primeiro adolescente. Ainda faltam 3. Isso mesmo. Não errei a conta, acontece que quando completamos pouco mais de dois anos de família, engravidamos.
Segunda parte do desafio. Inserir um bebê da barriga de modo que fosse “adotado” por seus 3 irmãos mais velhos. Garantir que não se fizessem diferenças, que os amigos e parentes não os magoassem com frases do tipo: ah! Mas agora este é de vocês! Ajudar a criar vínculos fortes de irmãos que os são.
Parece que estamos conseguindo. O bebê é apaixonado pelos irmãos e eles tem orgulho de contar sobre ele para todos da escola. Ajudam nos cuidados, brincam e fazem planos para o futuro incluindo a pequena bolota viva.
Mas nestes planos sempre consigo perceber marcas de um passado de abandono, sempre preocupados em falar ao bebê que eles não o deixaram sozinho se a mãe ou o pai partirem.
Hoje entendo como maior desafio fazer com que eles entendam que a passagem pelo abrigo, embora longa, significou uma pausa em parte da infância deles, mas que agora eles podem seguir, sonhar, crescer. Ser tudo que eles sonharem ser.
A história de Ester
Ester veio com 2 meses para mim, pois a gravidez da sua genitora não era planejada. Com pressa de dar sua filha para qualquer pessoa, pois ela não queria ter mais uma criança para sustentar, além desse motivo, ela não queria abrir mão do nome dela na certidão de nascimento da Ester, mas nunca teve compromisso com a filha. Com isso fez o processo de adoção mais demorando do que já era, foram 12 anos tentando acabar com essa insegurança, era o nosso desejo, meu e da Ester, o término da adoção.
Hoje a Ester já está com 13 anos e tem uma vida muito feliz, tem seu quarto, tem suas coisas, ano que vem ela irá para o 9° ano. Não sei ao certo como a vida dela séria com a genitora, mas de acordo com tudo que ela passou o principal, que é o amor, ela não teria.
Uma coisa digo a vocês independente de todo, mãe e pai é quem cria, pois todo aquele que ama cuida! Não me arrependo de nada que eu fiz, pela Ester passaria tudo de novo.
A adoção e um processo demorado mas não desistam, pois vale muito apena.
Sou Ester, uma menina feliz, filha da Sônia. Na audiência falei para a Juíza que só tinha uma mãe, a que me ama, me dá educação, um lar. Sei que minha genitora entrou com outro processo depois da audiência, minha advogada escreveu o que sinto e o que quero. Só quero uma única coisa: ser filha de minha mãe Sônia e ter um futuro com ela.
A justiça deveria nos ouvir mais, nós crianças precisamos que nossos desejos sejam respeitados.
A história de Kaio
Meu nome é Kaio, tenho 11 anos e fui adotado no fim do ano passado, em 2020. Meus irmãos e eu fomos para casa de nossas mães em dezembro. Lembro daquele cheiro da casa até hoje. Cheiro bom que ficava com elas o tempo todo. No começo era um cheiro bom e gelado de gente desconhecida. Depois o cheiro sumiu e veio um cheiro de baunilha. Mamãe Christina é minha mãe que me ajuda muito no estudo. Mamãe Tetê é super engraçada, me faz rir enquanto cuida de mim.
Minhas mães contam que estavam na fila por um tempinho. Eu não sabia que elas existiam e rezava todo dia por uma família. Não sabia que elas também me procuravam. Eu tinha medo de não ser adotado, de me separar de meus irmãos. Um dia elas chegaram. Minhas mães falam que o processo foi rápido. Fiquei tão ansioso que a minha última noite no abrigo parecia que durava muito muito. Apesar da guarda definitiva ainda não ter saído, como mãe Tetê me explicou, parece que já estamos juntos para sempre.
Meus irmãos têm 6 e 2 anos, sempre cuidei deles, troquei fralda de minha irmã quando ela era bebê e eu tinha 5 anos. Agora posso ser criança e brincar com meus irmãos. Estamos juntos. Às vezes ser criança é difícil como ter que estudar todo dia ou ficar no cantinho do pensamento quando apronto alguma. Estou no 4o ano e não fiz o 3o ano por causa da Pandemia. Não podia estudar sem computador, celular, internet e não tinha essas coisas no abrigo. Lá era diferente. Enquanto falo agora e mamãe Tetê escreve, tranço o cabelo dela e é assim que é se divertir com carinho. Um dia eu quero ser algo que ainda não sei: ser veterinário ou ser criador de desenhos?! Gosto muito de desenhar, sou bom nisso, fiz até histórias.
Para mim, a adoção é mudança boa. Minha mamãe Tetê luta por mim para eu conseguir alcançar meus sonhos, minha mãe Christina me ajuda todo dia no estudo. Como tenho duas mães, o amor vem em dobro. Quem pensa diferente e dá nomes ruins para isso, está errado, muito errado.
Duas mães é ter muito carinho e mais ensinamentos de mãe.
Leia também:
Dia 11 estreia a série “Adoções”
ADOÇÕES I – Família Harrad Reis
ADOÇÕES II – Do direito à convivência familiar e comunitária
ADOÇÕES III – Obrigações de cuidado
ADOÇÕES IV – Condições para adoção
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
SILVANA DO MONTE MOREIRA – Advogada, militante da Adoção Legal, mãe sem adjetivos. Presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/RJ (2016/2018, 2019/2021), coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II, membro fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Representante para o estado do Rio de Janeiro da Associação Brasileira Criança Feliz, dentre outras atividades que desempenha. @silvanamonteadv
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