Por Jeferson Miola –
A bisbilhotagem clandestina do aparelho de Estado para perseguir politicamente opositores caracteriza uma gravíssima afronta à Constituição. É procedimento típico de Estados policialescos, fascistas.
A espionagem da ABIN traz à tona a relação obscura do governo fascista-militar com o governo israelense para a aquisição de sistemas secretos de espionagem. Que podem ser interligados numa rede da extrema-direita internacional.
A “ABIN espiã” é, por isso, mais um grave escândalo que envolve militares das Forças Armadas.
A empresa israelense Cognyte [ex-Verint], que vendeu à ABIN a ferramenta de espionagem chamada FirstMile, foi representada no Brasil por Caio Cruz, filho do general Santos Cruz, que é incensado pela mídia como um militar probo, profissional e legalista. Será mesmo?
A compra deste sistema por R$ 5,7 milhões, feita sem licitação, ocorreu no final de 2018, no período final do usurpador Temer, quando a ABIN estava vinculada ao GSI, cujo ministro era o também general Sérgio Etchegoyen, que fez a transição de governo.
Em 19/5/2021, já no terceiro ano do governo Bolsonaro, o UOL noticiou que “uma licitação para a aquisição de uma ferramenta de espionagem expôs a disputa entre o alto comando militar e o vereador carioca Carlos Bolsonaro”.
Carlos havia articulado referida licitação com o então ministro da Justiça Anderson Torres, excluindo o GSI do general Heleno do processo. Era a disputa do clã miliciano com os militares pelo controle da arapongagem do Estado policial e, portanto, do poder de chantagem entre um segmento e outro.
O objetivo da licitação era adquirir o sistema de espionagem Pegasus, desenvolvido pela também israelense NSO Group, para criar a chamada “ABIN paralela”.
A matéria de 2021 lembra que “não é de hoje que o governo pretende adquirir uma ferramenta espiã de fácil acesso. Em junho de 2019, em uma reunião sigilosa no Quartel-General do Exército, uma outra ferramenta, concorrente do Pegasus, foi apresentada a sete generais. Segundo fontes internas, dentre os militares estava o então ministro da Secretaria de Governo, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz”.
Embora não tenha sido nominalmente citada na matéria, a “outra ferramenta, concorrente do Pegasus”, que Carlos Bolsonaro defendia, era a FirstMile, desenvolvida pela Cognyte, ex-Verint, empresa representada no Brasil pelo filho do general Santos Cruz, participante da “reunião sigilosa no QG do Exército” no dia 6 de junho de 2019.
De acordo com a reportagem, “o encontro confidencial, porém, foi descoberto por Carlos Bolsonaro. Sete dias depois, o general Santos Cruz foi exonerado, sendo o terceiro ministro a deixar a atual gestão”.
O governo usou o FirstMile, sistema contratado pelos militares ainda na gestão do general Etchegoyen no GSI, até meados de 2021. Durante todo esse período, o sistema clandestino que passou a ser controlado pelo general Heleno no GSI/ABIN espionou e monitorou ilegalmente milhares de brasileiros e brasileiras.
A imprensa noticiou que Caio Cruz, filho do general Santos Cruz, “não deu detalhes da contratação, alegando sigilo”. O único sigilo, porém, que deveria ser protegido, é o das milhares de pessoas que foram bisbilhotadas por agentes criminosos do Estado, mas tiveram seus sigilos criminosamente violados.
As vítimas desta atrocidade oficial, bem como toda sociedade brasileira, têm pleno direito a ver esclarecido mais um caso escabroso que envolve militares que desonram as Forças Armadas brasileiras.
Os delinquentes fardados até podem ter divergências entre si, mas não dissidências.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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