Por Lincoln Penna

A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece. (Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere)

Uso como epígrafe essa sentença de Gramsci para aplicá-la à situação em que nos encontramos no Brasil e no mundo. Tempos nos quais se convive com a mais alta tecnologia a nos permitir o manuseio de meios para enfrentarmos quase todas as adversidades e desafios, mas ao mesmo tempo convivendo com práticas que nos lembram épocas pregressas da exploração do homem pelo homem.

Esse descompasso da modernidade com estruturas arcaicas voltadas para oprimir nossos semelhantes retrata bem o que temos sido ao longo de nossa longa e quase interminável pré-história, muito bem destacadas por Marx ao se reportar às sociedades de classe. E na coexistência com a natureza a suposta evolução do ser humano tem exibido o seu caráter mais destruidor, de modo a produzir a devastação de biomas com sua diversidade de vidas massacradas pela volúpia da exploração predatória cometida pelo ser humano.

Em função disso temos enfrentado crises periódicas de epidemias, surtos estes que se agravam pelo modo de relação com a natureza a provocar graves conseqüências para a vida em ambientes sociais de maior concentração, como os centros urbanos tal como ocorre com a atual pandemia do novo coronavirus. E ao se alastrar rapidamente afeta todas as demais atividades do ser humano, a começar pelos bens produzidos em escala industrial.

Nesse momento, instala-se a contradição entre à proteção absoluta à vida e a necessidade de manutenção dos processos produtivos. Assim, vida e economia aparecem como elementos opostos diante desse falso dilema. Mas aos que colocam a questão dessa forma há uma explicação banal. Está em jogo a sobrevivência de um sistema ou modo de produção que necessita da permanente atividade das forças de trabalho para a produção de mercadorias e para o sustento adicional dos bens e interesses do capital e daqueles que dele usufruem seus dividendos, lucros e a não menos indiferente mais-valia.

Ora, medidas de preservação da vida, como os protocolos de isolamento social e eventuais quarentenas ou lockdown contrariam esses interesses capitalistas. Essa é fundamentalmente a questão.

O desemprego decorrente da paralisação momentânea agrava, sem dúvida a situação de penúria de grande parte da sociedade que já vive convivendo com enormes dificuldades. Contudo, cabe ao Estado e aos setores da sociedade mais bem aquinhoados o dever cívico, patriótico e humanitário socorrer os nossos coirmãos desassistidos e vulneráveis.

Nas grandes catástrofes, nas guerras fratricidas – como em geral todas elas são – e nas crises agudas a apontarem para soluções emergenciais ou de cunho imediato, a união do povo é não somente imprescindível como absolutamente indispensável. Em países como o Brasil que hoje, na primeira quinzena do mês de abril de 2021 ostenta a triste condição de epicentro da crise sanitária de mais de um ano de duração, a hipótese de uma união nacional fora e acima das convicções político-partidárias, doutrinárias ou filosóficas numa verdadeira Frente Anti-pandêmica deve estar na ordem do dia.

Está claro que o país e o mundo atravessam uma já longa conjuntura de crise, a mesma diagnosticada e asseverada por Gramsci quando mencionou o termo interregno e a morbidade a afetar a vida de todos e, também, as atitudes, os comportamentos e as decisões lúcidas de quem se abriga no patrimônio do saber alcançado pela humanidade. Porque fora da ciência, do bom senso e da razoabilidade no trato de temas e desafios generalizados não é possível sair dessa crise.

Há um algoz em todo o panorama que vivemos no limiar da terceira década do século XXI. E este algoz é, sem dúvida, o estilo de vida que nos tem feito responsável pela agressão sistemática à natureza. E é esse algoz que tem nos levado ao suicídio, que por enquanto tem sido apenas uma ameaça. Tenebrosa e sufocante, porém sua continuidade pode nos levar a patamares insuportáveis. Trata-se de uma manifestação doentia e ela tem uma origem, que se encontra no sistema ou modo de organizar a vida em sociedade de forma a produzir desigualdade entre os seres humanos. E esse algoz não é invisível. Ele atende pelo nome de Capitalismo.

Estamos em transição. O novo ainda não despontou. Está amadurecendo.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.