Por Lincoln Penna

Paz Armada foi o nome que foi dado ao período que se estendeu na Europa entre 1871 e 1914, portanto desde as guerras franco-prussianas até o início da Grande Guerra Mundial. Ao longo desse período a indústria bélica projetou-se de tal forma que ela não retrocedeu iniciando um processo de expansão jamais interrompido ou limitado.

Sirvo-me dessa denominação para fazer alusão ao que se passa no mundo deste primeiro quarto do século XXI, que já contabiliza uma guerra envolvendo na apenas Rússia e Ucrânia, mas parte de outros estados direta ou indiretamente interessados em seu curso. E agora, com o que está acontecendo em Israel e as forças que sustentam a criação de um Estado Palestino, através das ações promovidas pelo grupo Hamas, esse quadro ganhou nova dimensão e configuração.

A pergunta que alguns analistas dessa situação se fazem é se estaríamos diante da irrupção de uma nova guerra mundial, no caso a terceira, e com essa eventual possibilidade a paz estaria seriamente comprometida. Creio que essa dúvida fica prejudicada se incluirmos uma afirmativa qual seja a de que essa provável ou iminente guerra mundial já é uma realidade.

A diferença fundamental em relação às outras é que essa nova guerra é conduzida por uma política de paz armada. Nesta o emprego de armas bélicas é seletivo e esporádico, bem como a utilização de outras armas capazes de criar uma insegurança permanente, que atende aos interesses dos que monitoram os desdobramentos de conflitos localizados multiplicados ultimamente. Acresce o fato de essa máquina de guerra manter em funcionamento as indústrias de guerra convencionais sofisticando-as que são altamente lucrativas, ao contrário das indústrias produtoras de bens grandemente afetadas pelo advento da financeirização da economia hoje em dia.

Essa falsa sensação de paz no mundo é estimulada de modo a gerar o apelo a que essa situação seja objeto de ações por parte de quem se beneficia dessa paz armada. Ela passa mensagens segundo as quais as tratativas derivadas dos muitos organismos internacionais se ocupam em manter assegurada a ordem mundial. Contudo, os inúmeros casos de conflitos existentes presentemente em quase todos os continentes dizem o contrário.

Há uma guerra em andamento e sua presença não se restringe apenas a divergências localizadas decorrentes de guerras civis, mas se fundam em interesses geopolíticos e estratégicos. Basta examinarmos caso por caso.

Essa nova paz armada se situa num momento em que a economia mundial capitalista se encontra mergulhada em mais uma de suas crises regulares, diferentemente do período em que ocorreu a expansão do último quarto do século XIX, o que mais do que naquela oportunidade aponta para soluções mais extremadas, como sói acontecer com as soluções em situações agudas de crise.

Eis aí um cenário no qual a paz armada pode acelerar a diversidade de conflitos localizados uma vez que uma nova guerra entre grandes estados nacionais quase todos a deterem um arsenal atômico tornaria esse eventual cenário catastrófico. Daí, a alternativa de regionalizar as ações armadas e com isso dando fôlego à indústria armamentista que hoje ocupa um lugar de destaque no que diz respeito aos maiores investimentos mundiais. Para tanto, basta acirrar as divergências de facções e correntes políticas em determinados estados e o desencadeamento da guerra torna-se inevitável.

Da primeira versão da paz armada emergiu com força o fenômeno imperialista, ainda situado dominantemente em um país, como fora na Inglaterra durante os séculos XVIII e XIX, principalmente, se estendendo até a Primeira Guerra Mundial, e a partir daí sob a hegemonia norte-americana. Era um imperialismo mais centralizado em torno de uma burguesia hegemônica.

Presentemente com o chamado neoliberalismo, essa centralidade nã mais existe. O capital está difusamente espalhado em todo o mundo, em todos os mercados mundiais, de modo que se trata de uma nova configuração que tem a ver com o velho expediente da guerra, arma para a resolução de conflitos reais ou criados para dar fôlego aos apetites do capital.

O que interessa à cidadã e ao cidadão comum é que mundo vamos entregar aos nossos filhos e netos diante de uma situação que configura uma “espada de Dâmocles” apontada para as nossas cabeças. Um mundo que a par dessa paz armada que objetivamente dá continuidade à guerra jamais erradicada entre nós está diante da mais reveladora crise ambiental tão advertida nas últimas décadas e cujas soluções foram sempre adiadas.

Juntar essas duas ameaças não é algo tão aleatório como pode parecer. Elas convergem para uma evidência que tem sido escamoteada, a de que estamos nos destruindo como humanidade e concorrendo para destruir também a natureza.

É mais do que hora para que passemos a dar prioridade à vida em todos as suas formas, sem o que iremos naufragar irremediavelmente. Não se trata de uma advertência, mas a denúncia de como é possível destruirmos massivamente tudo que logramos produzir e que agora entregamos de forma devastadora e cruel. Além da ausência de consciência comunitária soma-se o desprezo pelo compromisso humanitario de que somos parte integrante de uma natureza que clama por socorro. A paz armada não nos levará a lugar algum.

Tenhamos coragem de dizer um não ao modo de vida que hoje nos faz padecer a cada evento extremo, seja de cunho natural ou decorrente de decisões políticas desastrosas, movida pelo ódio e a ganância.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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