Por João Batista Damasceno

Eu conheci Dom Adriano Hipólito, que foi bispo de Nova Iguaçu e um dos mais corajosos opositores à truculência exercida pelo Estado durante a ditadura empresarial-militar. Dom Adriano era um educador e parte da minha formação decorreu da leitura da Folha, por ele editada. Ele aproveitava o que queríamos ouvir e nos falava do que sabia ser necessário falar. Ele sabia que tínhamos desejo de justiça e nos instrumentalizava e encorajava para seguirmos em busca dela. E repudiava a idolatria à religião.

Foi com ele que aprendi que o fanatismo é o apego dos oprimidos contra a opressão, mas que acaba por ampliar os poderes dos líderes religiosos que enganam o povo e mantêm a opressão, a miséria, a fome e a ignorância. Foi com ele que aprendi o significado da expressão:

“A religião é o suspiro do ser oprimido, o coração de um de um mundo sem coração e a alma de um mundo sem alma. É o ópio do povo”.

Igualmente foi com ele que aprendi sobre a exploração religiosa por ‘empresários da fé’ que vendem as crenças como felicidade ilusória para afastar o povo da exigência da felicidade real. Ele falava que o apego ao rito religioso era a expressão de um mundo sem alma. E mais, dizia que deveríamos sempre buscar a essência que está no horizonte inalcançável para o qual olhamos e em direção ao qual devemos sempre caminhar.

Outro fraterno bispo, Dom Mauro Morelli, em 1987, publicou um artigo intitulado ‘Feijão na panela de pressão, uma questão para a Constituinte’. No Encontro Regional de Estudantes de Direito (Ered) daquele ano levei o artigo e li para meus colegas. O artigo é sobre a fome que volta a rondar os lares das famílias brasileiras. Somente um pai ou mãe que não tenha com o que alimentar seus filhos sabe o que é a dimensão da fome. Fome não é apetite. Não é o ronco no estômago de quem se atrasou para o almoço ou para o jantar que esfria na mesa. Fome é a ausência de certeza do que terá para comer no dia que raia ou nos dias que o sucederão.

Fome é a desesperança de alimentação, que é direito social.

A ‘Folha de Dom Adriano’ era publicada pela Vozes, que igualmente editou o livro de Dom Mauro Morelli ‘Como fazer a Nova República’, que precisaremos refundar e desta vez realizar, depois que passar a tormenta que nos assola. Altivamente chegará o momento de nos opormos à destruição do país. A obediência, recato e ‘neutralidade’ diante dos que oprimem apenas nos tornam cúmplices dos algozes. Os poderosos não se saciam. O capital não tem limite para a acumulação. A conciliação que se fez com os banqueiros nas últimas décadas o demonstra. Depois dos anéis, exigem os dedos. E depois as mãos, os braços e por fim o coração.

Foi na ‘Folha de Dom Adriano’ que li um artigo sobre Davi, rei de Israel, contada no Velho Testamento da Bíblia. Durante uma sesta, Davi avistou, do seu palácio, uma mulher muito bonita tomando banho. Era Betsabá. Convidada para ir ao palácio tiveram relação e ela engravidou. Mas ela era casada com um general, Urias. O rei não perdeu tempo. Chamou Joab, chefe de seu exército e ordenou: “Coloque Urias na frente, onde o combate for mais renhido e desampare-o para que ele seja ferido e morra”.

Antes de colocar suas vidas e suas honras a serviço de quem está nos cargos ou no poder, todo general deveria se perguntar a que interesse serve.

Os poderosos não respeitam os que lhes servem, apenas adoçam suas bocas com sinecuras enquanto se mostrarem como matéria prima para ser consumida nos seus apetites. Quem servilmente obedece pode estar comprometendo sua honra em favor de quem não merece tal sacrifício. (Fonte: O Dia)


JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista do jornal O Dia, conselheiro efetivo da ABI, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.