Por José Carlos de Assis –
O marechal Castello Branco era um militar refinado, com formação francesa e reais convicções democráticas. Por que estranhos caminhos sobreviverá na história como o primeiro ditador da era militar em 1964? Nossos historiadores são muito superficiais ao tratar disso. No máximo, atribuem o prolongamento do regime a um eventual conflito entre Castello e seu sucessor, o general Costa e Silva. Este último teria um apetite incontrolável pelo poder.
Vou tratar desse assunto não por gosto historiográfico, mas em razão da situação atual quando brasileiros realmente preocupados com o destino do país e a estabilidade social olham para o Estado Maior do Exército como uma esperança de saída para a maior crise de nossa história.
Sim, porque diferentemente das crises anteriores, estamos numa situação em que não uma, mas todas as instituições do Estado estão virtualmente falidas, menos o Exército.
Em 64, o golpe foi efeito de uma tremenda radicalização política da qual houve uma culpa generalizada, no governo e na oposição. No governo, forças importantes como Brizola e o presidente Jango não se entendiam. A situação social era efervescente. Com uma interpretação dúbia do quadro político, militares radicais puxaram o golpe por efeito, sobretudo, na atmosfera geopolítica, em face de uma suposta ameaça comunista.
Uma vez dado o golpe com um pretenso efeito saneador ideológico, o marechal Castello Branco entregou o poder efetivo a dois civis, Roberto Campos, no Planejamento, e Octávio Gouvêa de Bulhões, na Fazenda. Campos era um gênio pouco reconhecido: lançou as bases financeiras da infra-estrutura do país, reforçando o BNDES, criando o BNH e inventando fundos de financiamento industrial e de serviços, como os da Telebrás e Eletrobrás, entre outros.
Bulhões era um tecnocrata absurdamente medíocre. Lembrava os Joaquim Levis, os Guedes e os Meirelles de hoje. Tinha apenas uma receita para enfrentar a inflação e retomar o crescimento: ajuste fiscal. Mediante sucessivos ajustes fiscais, desde 64 ele impôs um tremendo engessamento na economia, levando a uma recessão que se prolongou até 1967.
Do ponto de vista político, foi um desastre para o regime, que já enfrentava hostilidade social.
Então surge a questão da sucessão. Castello e outras altas patentes militares desejavam abertamente que Carlos Lacerda assumisse como presidente civil depois dele. Lacerda, porém, não queria assumir como ditador. Confiava em sua capacidade de verbalização. Só temia um oponente: Juscelino. Entretanto, Juscelino era um fazedor de obras. Para vencer Juscelino era preciso dar uma demonstrar cabal de capacidade de construção no mínimo igual à dele.
Como governador da Guanabara, Lacerda, de fato, vinha se preparando há muito para confrontar JK no plano das obras: estava fazendo uma administração exemplar no Rio, do Guandu ao Aterro do Flamengo, passando por túneis unindo Zona Norte à Zona Sul. Aí veio a tragédia: o ajuste fiscal de Bulhões caiu cheio no sistema de obras de Lacerda, estrangulando seu financiamento. Ele abandonou o governo antes da hora e, indignado, atacou Castello.
Como consequência, os militares ficaram sem candidato civil em 65 que pudesse derrotar JK. E JK era inaceitável para o sistema. Diante disso, Costa e Silva tomou a frente e, a partir da forte posição de ministro da Guerra, apresentou-se como sucessor de Castello. Este aceitou a solução a contragosto, como se sabe.
E o país tomou o curso que se conhece: quando veio a virada econômica pelas mãos de Delfim, já era tarde para evitar a sensação de crise econômica e cedo para evitar a crise política do AI-5.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
MAZOLA
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O Regime Militar prestou grandes serviços ao Brasil. Dois deles foram: tranquilidade política e, imensos investimentos em infraestrutura.
Durante o Regime Militar, entre março de 1964 e março de 1985, a produção brasileira de petróleo cresceu mais de 8 vezes. A capacidade de refino de petróleo multiplicou-se mais de 12 vezes. A produção de soja aumentou mais de 60 vezes. Além disto: extinguiu-se a varíola, decuplicou-se o número de vagas em escolas públicas, universalizou-se a previdência social, multiplicou-se a produção de eletricidade mais de dez vezes, multiplicou-se a produção de soja mais de sessenta vezes, etc.
Tudo correu bem, até o final do governo Médici, em março de 1974. Só que sob Geisel, os árabes aumentaram os preços do petróleo de US$3 o barril, em 1972, para mais de US$12 o barril, em 1974. E passou de US$34 o barril, de 1979 em diante. O Brasil que tinha dívida externa líquida de US$6 bilhões, em janeiro de 1974, passou a dever mais de US$90 bilhões, em janeiro de 1983. A inflação estava em cerca de 10% ao mês, de 1982 em diante e o desemprego era alto. A partir daí a queda do Regime Militar tornou-se inevitável. A isto se deve acrescentar, o caráter incompetente do mulherengo e último general-presidente, João Figueiredo, que semanas antes de sair do governo, deu uma entrevista à televisão, pedindo que o povo o esquecesse. Como disse o filho de Médici, Roberto Nogueira Médici: “Figueiredo devia ter comandado uma retirada ordenada, mas ele comandou uma rendição incondicional. ”
Veja o que capa da revista Veja falava sobre o Lula, em outubro de 2002: ( http://1.bp.blogspot.com/-F1Uts6QtrVE/VFTozphh_8I/AAAAAAAAUNQ/Eh20xg0oCZs/s1600/revista-veja-edico-historica-lula-5710-MLB4989929171_092013-F.jpg )
Agora, eu lhe peço que veja uma capa da revista Veja, em 2017, mas desta vez, sobre Jair Bolsonaro:( https://pbs.twimg.com/media/DLiM4XiUIAAvY-k.jpg )
Sobre a morte do estudante Edison Luís, em 1968 e demais coisas, que veja o site: ( http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=15225&cat=Artigos )