Por Ana Helena Tavares –
O novo ministro da Defesa, general Braga Neto, emitiu um documento de “ordem do dia” que, em seu último parágrafo, encontrou o verbo “celebrar” como sendo adequado para definir o que se deve fazer diante dos 57 anos do golpe de 64. Vê-se, assim, que estamos presenciando no Brasil, além da pandemia, um trabalho de negação da História que parte dos ocupantes dos mais altos postos do Estado. É muito preocupante imaginar o efeito disso para as próximas gerações.
Se as Forças Armadas estivessem mesmo preocupadas com “ordem” jamais sustentariam Jair Messias Bolsonaro, ocupando milhares, eu disse milhares, de cargos em seu governo. Bolsonaro sempre foi um militar altamente indisciplinado, tendo sido preso na década de 80 por desordem e subversão. Um capitão desprezado por generais como Ernesto Geisel, que chamou Bolsonaro de “mau militar”, conforme está registrado no livro “Geisel” (FGV-1997).
Fato é que a ditadura instalada em 64 elevou ao posto de “herói” torturadores sanguinários como Brilhante Ustra, exaltado por Bolsonaro, e arrancou a farda de militares ordeiros e dignos, como foi o caso do brigadeiro Moreira Lima. Eu não vivi aquela época. Nasci 20 anos depois do golpe. As capas dos jornais do dia do meu nascimento são povoadas por fotos de Ulysses Guimarães. Mas o jornalismo me deu a glória de conhecer Rui Moreira Lima.
E de tê-lo na minha frente me contando a História recente do Brasil. Na madrugada do dia 1º de abril, verdadeiro dia do golpe, Rui, que era coronel-aviador e comandante da base aérea de Santa Cruz, recebeu um telefonema de um ministro militar, muito exaltado, que gritou: “Passa logo o comando desta merda”.
O então jovem coronel-aviador respondeu calmamente: “O Senhor pode achar que esta Base Aérea é uma merda, mas para mim não é. Agora, se o senhor disser que eu sou, aí eu fico à vontade e digo que o senhor é outra. O senhor venha aqui amanhã de manhã e faça aquele discurso bonito onde tinha dito que eu era o oficial padrão da FAB”.
Em seguida, Rui Moreira Lima, herói da 2ª guerra mundial, que era tido pelos próprios golpistas como “oficial padrão da FAB”, foi preso. Com ele, toda uma geração de militares legalistas, ou seja, respeitadores das leis, da ordem e defensores da Constituição, foi cassada, presa e perseguida por se opor ao golpe. Tais militares não tiveram direito à anistia de 79, que, em sua “ordem do dia”, Braga Neto diz que “pacificou o país”.
Não pacificou, tanto que várias bombas seriam tacadas depois dela, mas, antes, ajudou a reescrever a história, transformando vilões em mocinhos que queriam “salvar a pátria convocados pelo povo”. Em 1964, 70% do povo estava ao lado de João Goulart, como comprovam pesquisas de opinião feitas à época. A convocação veio de fora, dos EUA, com apoio interno da Igreja Católica, do empresariado e da maior parte da imprensa.
E, 10 anos antes, os militares já tentavam um golpe. O marechal Henrique Teixeira Lott que o diga. Em 1955, ele precisou garantir a posse legítima de Juscelino Kubitschek, presidente que depois seria ameaçado por duas revoltas militares: as de Aragarças e Jacareacanga.
Lott seria um herói num país justo com sua memória histórica. Mas morreu escanteado, em 1984, mesmo ano em que nasci, e não teve direito a honras militares em seu enterro. Vejam bem: um marechal. Será que o capitão desordeiro e subversivo, alçado à presidência do Brasil usando a mentira como método, terá tais honras?
O que é, então, honra? O que é ordem e o que é desordem? O que, afinal, devemos celebrar? Deixo as perguntas para as nobres Forças Armadas.
ANA HELENA TAVARES – Jornalista profissional, escritora e membro efetivo do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Estudou no Colégio Pedro II e a isso deve parte de sua formação humanística. Paralelamente ao Ensino Médio, passou dois anos e meio no Núcleo de Filosofia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pesquisando o conceito de verdade.

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