Por José Macedo

Inicio minhas reflexões para escrever este texto, com uma citação do excelente escritor, Peter Gay, de seu livro, de minha cabeceira: “O Cultivo do Ódio”.

“Lutas de classe, choques entre denominações religiosas ou grupos raciais e étnicos, rivalidades por postos e por poder na política ou nos negócios, o ódio gerado pelo nacionalismo e pelo imperialismo, os estragos do crime, os enfrentamentos da vida privada, da discórdia conjugal aos feudos familiares – tudo isso, e mais, é testemunho convincente de que a agressão forneceu a maior parte do combustível para a ação e mudanças históricas”.

Essa citação, sendo de um estudioso sobre o ódio e a violência, deixa-me à vontade para expressar meu pensamento sobre o tema. Então, ditadura e democracia são os dois lados distintos de uma mesma moeda. Por mais estranho que pareça ser, alguns desejam ficar do lado da violência e do ódio, apesar das leis. Estas não são suficientes para evitar o despotismo na defesa da predominância do bem comum. Lembro-me da leitura “Da Origem dos Delitos e das Penas”, de Cesare Beccaria, representante do iluminismo penal, do século XVIII: “As paixões particulares superam o bem comum. A crueldade nos castigos é inútil, sendo odiosa e injusta. A lei é a garantia para neutralizar excessos do tirano”. A princípio, a única forma civilizada para garantir a paz, o bem comum, obstaculizar a força da tirania e dos ditadores, é a lei, é o direito. Ao longo dos séculos, o direito, apesar do esforço, assistimos seu parcial insucesso, alguns preferem falar do fracasso. O Direito não é exitoso e efetivo para compor os conflitos e restabelecer a paz social. Assim, o uso dos meios pacíficos esgotam-se, exaurem-se. Então, o Estado, originário de um pacto, detém o monopólio e garantidor da Justiça, afastando sua privatização, coibindo o uso arbitrário das próprias razões (o direito pelas próprias mãos). Mas, dirimir controversas por meios pacíficos é a regra inicial, a coerção é o passo seguinte, quando frustrada a tentativa pacífica.

Quando, o Estado não se faz presente e os meios pacíficos esgotaram-se, sigo o entendimento de Santo Tomás de Aquino: “A violência coletiva justifica-se, torna-se legítima”.

Entendo que, o bem comum, predomina sobre os interesses particulares, em qualquer circunstância e hipótese. Nesse movimento, que é dialético, base do pensamento de Marx, inaugura-se a “luta de classes”, encontram-se essas forças e lei dos contrários impõe-se, estabelecendo o confronto, a competição, o ódio, o instinto agressivo, a violência e a lei do mais forte. O direito nasce dessa necessidade, dessa tentativa, cujo escopo é o de compor conflitos, ao que parece, os conflitos são natos no homem (aqui, não importa o gênero). A luta pela convivência é renhida e árdua, o fracasso parece o ser o vencedor. Entre os séculos XVII a XIX, dos filósofos, Maquiavel aos contratualistas Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rosseau e Karl Marx, exemplificam-nos com seus ensinamentos sobre a índole, a natureza humana e as fontes dos eternos conflitos.

Quando, lemos a Bíblia, considerando-a uma narrativa de nossa origem e a travessia para a idade moderna, descobrimos essa saga da vida à morte, os instintos agressivos, a violência e ódio, que não têm fim. Quando, a busca da guerra passa a ser instrumento de purificação, os detentores do poder acreditam ser a guerra instrumento e meio necessários a serviço da humanidade, cai sobre nós, cultores da esperança e da paz o desespero e medo de iminente apocalipse. Seguindo esse raciocínio, prestes à explosão da Primeira Guerra Mundial, Thomas Mann afirmou: “A guerra traz purificação, libertação e uma enorme purificação”. Teremos de conviver com a violência, para que alcancemos períodos de paz? A partir da guerra do Paraguai, o exército brasileiro toma gosto pela politica e uso da força, revelando-se progressista, como na transição, derrubada da Monarquia e implantação da República. Com os episódios de Canudos e do Contestado, o exército alinha-se às forças conservadoras, à violência do Estado, atua como classe privilegiada, exerce falso poder de moderador dos conflitos. Então, pratica o genocídio e a força desproporcional contra pobres e indefesas famílias. Nesse diapasão, ocorreu a incursão do exército brasileiro na política.

Faço essa pequena digressão para firmar minha compreensão do que ocorre no Brasil, incluindo os dias de hoje.

O momento atual é a extensão e fantasma da violência que nos rondam, tendo a ditadura de “64”, como um desses fantasmas. O presidente brasileiro é uma ameaça, escrevo com “p” minúsculo, é a representação da “ralé”, que o elegeu, utilizando a expressão da filósofa, Hannah Arendt, em célebre livro, “Origens do Totalitarismo, 1949, 4 (quatro) anos, após a derrota do nazismo de Hitler. Hannah Arendt, com conhecimento de causa descreve a aliança entre “A ralé e a elite”, produzindo o nazismo. Assim, pareceu-me que, sua análise tem semelhança com o Brasil atual, nas devidas proporções. Em 2018, mais de 57 milhões de brasileiros elegeram o Bolsonaro. Éramos a sexta economia do mundo; hoje, somos a décima segunda, carregando o fardo de 50 milhões de brasileiros, na informalidade e desempregados, jogados no Mapa da Fome e da miséria. Apesar desse quadro perverso, a “ralé”, apoiadora do Bolsonaro, continua vociferando com mentiras e gritam palavras de ódio e ameaças, pedem a intervenção militar, ameaçam o fechamento do Congresso e invasão do STF, sob o incentivo do chefe, ainda a renovação e uso do AI-5, instrumento da ditadura, decretado, no ano de 1968, para perseguir seus opositores.

Aos olhos passivos da nação, instalou-se no Palácio do Planalto o gabinete do ódio, desvios dos objetivos da maioria de nosso povo, que deseja a paz e correta representatividade.

A “ralé”, os ressentidos, os omissos, cultores do ódio, que abominam a política e são saudosistas da ditadura elegeram um psicopata e marginal na política. É o mesmo marginal, que no Parlamento, espumando, tipo um cão raivoso, defendia a ditadura e a tortura. A tortura, um crime hediondo, contra a dignidade da pessoa humana, contra o Ordenamento Jurídico, apologia à ruptura democrática e ao crime, enseja sua imediata condenação, na forma da lei penal, da Constituição e da Lei de Responsabilidade N° 1.079/1950, Lei N° 1.170/1983, artigos 22 e 23, esta foi sancionada pelo ditador presidente, João Batista Figueiredo. Esses crimes e outros, imputados ao presidente Bolsonaro, fundamentam cem (100) requerimentos de impeachment. Nenhum deles foi analisado pelo presidente da Câmara dos deputados, autoridade competente para sua análise e possa dar prosseguimento, segundo o Regimento Interno. Enquanto isso, o diálogo esgotou-se, não sabemos de nosso destino, mas permanecemos inertes e omissos. Essa é a conjuntura política e o comprovado derretimento dos direitos conquistados, celeremente, destruídos, assim como, as instituições e nossa Constituição, nosso conceito de nação e nossa soberania.

Dito isto, concluo, citando a filósofa, Hannah Arendt: “A raison d’etre do Estado é a necessidade de alguma segurança ao indivíduo, que se sente ameaçado por todos os seus semelhantes”. Faço questão de repetir: “alguma segurança”. O Estado atual é resultado de um pacto, que não garante a predominância do bem comum, o acesso ao direito justo, a igualdade e a liberdade para todos.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.