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A cara de pau dos verdadeiros abutres- por Kakay
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A cara de pau dos verdadeiros abutres- por Kakay

Por Kakay

“Inútil pedir perdão. Dizer que o traz no coração. O morto não ouve.”
–Ferreira Gullar, “O Morto e o Vivo”.

É quase inexplicável a agressividade de um jornalista tão competente, experiente e respeitado, como o querido Marcelo Tognozzi, ao escrever, aqui neste prestigioso espaço, um artigo tão colérico como o “Lord cara de pau”. A virulência com que tratou os advogados ingleses, o desprezo pelos que sofrem há 9 anos pela tragédia criminosa de Mariana, a defesa ferrenha das mineradoras Vale e BHP e a subleitura parcial do processo que corre em Londres, tudo assusta e causa um enorme constrangimento.

Dizer que “é um insulto para o país que um escritório de advocacia britânico baseie seu caso na suposta incapacidade de o governo e o Supremo fazerem justiça” é desconhecer a realidade.

O próprio presidente do Supremo, Roberto Barroso, reconheceu o direito de os brasileiros optarem pela jurisdição inglesa, frisando que não é uma questão de soberania, e, expressamente, confirmou que o processo na Inglaterra foi um motor para que o acordo aqui saísse. Ou seja, foi necessário a Corte Inglesa julgar e aceitar a jurisdição da Inglaterra para que o Judiciário brasileiro sentisse que era absurdo não fazer um acordo.

Vale lembrar que se passaram 9 anos do desastre criminoso. E, ainda assim, foi uma repactuação em que as vítimas não foram convidadas para se sentar à mesa de negociação. Até por isso, escrevi o artigo “Naquela mesa estão faltando eles”. E ainda nesta semana, protocolamos uma petição requerendo que os povos originários e os quilombolas sejam ouvidos antes da homologação do acordo, conforme a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal e de convenções internacionais.

É importante frisar que a defesa no processo na Inglaterra jamais recomendou às vítimas que “recusassem o acordo brasileiro”. O que não se pode admitir é uma cláusula imoral e ilegal de exigir que os que aderirem ao acordo no Brasil abram mão do direito que têm no processo inglês.

Não há “trouxa” entre os ribeirinhos, os quilombolas e os povos originários. O que há é uma comunidade sofrida, espoliada e enganada há longos 9 anos por uma completa omissão das poderosas mineradoras que têm o costume de fazer valer só o dinheiro e o lucro, comprando tudo e todos. Só não conseguem comprar a dignidade de uma população sofrida, que tem história, e que não se entrega.

Basta respeitar e querer ver a realidade. Remeto-me a Mia Couto:

“Cego é o que fecha os olhos e não vê nada. Pálpebras fechadas, vejo luz como quem olha o sol de frente. Uns chamam escuro ao crepúsculo de um sol interior. Cego é quem só abre os olhos quando a si mesmo se contempla”.

As poderosas mineradoras, com seus cofres abarrotados do dinheiro que extrai do minério brasileiro, conseguiram fazer com que parte da mídia comprasse a ideia de que empresas que optem por financiar grandes litígios –como o da Inglaterra, neste caso– cometem ilegalidade.

De maneira cruel e com um marketing voltado para desmoralizar a advocacia, usam de um termo pejorativo, utilizado no artigo aqui criticado, no qual se lê: “O escritório inglês Pogust Goodhead, anabolizado por fundos abutres”. Ou seja, abutres não são os que provocam morte e destruição e se negam a indenizar, mas os que resolvem arriscar seu dinheiro para viabilizar a hipótese de uma ação que pode devolver, um pouco, da dignidade usurpada pela ganância das mineradoras.

Um processo na Inglaterra é muito caro. Quando os meus clientes, os quilombolas, iriam ter condições de serem representados na Corte Inglesa se não fosse por meio de investidores que acreditam na ação? Que correm o risco, como ocorre em todos os países do mundo.

Especialmente nos países em que é muito caro bater às portas do Judiciário, esse é um costume cada vez mais comum. Transparente. E dando a chance de colocar no outro lado da mesa advogados capazes de enfrentar o batalhão contratado pelas poderosas mineradoras.

Ainda bem que esse é um método difundido, senão os ribeirinhos, os povos originários e os quilombolas estariam, até hoje, sem sequer conseguirem ter a atenção e o respeito dos responsáveis pela tragédia criminosa. É um respeito conseguido a fórceps e graças, em parte, aos fundos investidores.

É fácil para quem tem um fundo interno, do próprio grupo, com um caixa sem limites, vender a imagem para parte da mídia que qualquer possível oponente tem uma atitude aproveitadora. E, só para fixar essa imagem nos seus competidores, gastam em mídia o que os atingidos não teriam, nem de longe, como arcar com a ação como um todo.

Depois de 9 anos, sentiram que existia sim uma hipótese de serem condenados a pagar às vítimas uma reparação a que elas fazem jus.

Sem os fundos investidores, não seria possível sustentar o direito delas em Londres. É muito conveniente tachar de abutres os que investiram na chance de fazer justiça.

Felizmente, um grupo de advogados acreditou e conseguiu submeter o caso à Corte Inglesa, quando a imensa maioria das vítimas já não acreditava em mais nada. Devolveram a elas o direito de sonhar. São muitas ainda as dificuldades. Mas é bom lembrarmos de Fernando Pessoa:

“Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.”

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 67 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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