Por Jeferson Miola –
Um impressionante contingente de mais de 1.200 vândalos, terroristas e criminosos que atentaram contra os poderes da República e o Estado de Direito foram presos no QG do Exército em consequência dos atentados de 8 de janeiro.
É público e notório que a horda fascista estava autorizada, pela própria hierarquia militar, a acampar na frente do QG, assim como nas áreas de quartéis e de comandos militares regionais, como aconteceu no Comando Militar do Sudeste, então comandado pelo atual comandante do Exército, o “neolegalista” general Tomás Paiva.
Além de civis, muitos militares da ativa e da reserva, assim como familiares de oficiais, participavam destes amotinamentos e dos atos antidemocráticos que adquiriram maior audácia, força e violência a partir de 31 de outubro de 2022.
A esposa do general-conspirador Villas Bôas era uma celebridade muito presente no Forte Apache, em Brasília. Isso é muito revelador do entranhamento dos militares na guerra fascista contra a democracia.
O jornalista William Waack revelou que a presença de Dona Cida Villas Bôas no acampamento na noite de 8 de janeiro, assim como de outros familiares de militares, foi causa da insubordinação do então comandante do Exército, general Júlio César Arruda, que peitou o ministro da Justiça Flávio Dino e ameaçou confronto de tropas com a PMDF para impedir o cumprimento da ordem de prisão expedida pelo STF.
Devido à grave afronta de colocar tanques blindados e fileiras de tropas para proteger os amotinados do QG do Exército, teria sido razoável se o general Arruda tivesse sido demitido naquela mesma noite, afastado do serviço público e preso. Em lugar disso, entretanto, o general sedicioso ganhou o passaporte para a reserva, onde receberá perto de 40 mil reais por mês durante toda a vida, quando então deixará uma polpuda pensão vitalícia para sua esposa.
O protagonismo dos militares, sobretudo do Exército, na ambientação do clima de caos, violência e terror está fartamente comprovado – da concepção estratégica à preparação e perpetração de atentados, como em 12 e 24 de dezembro e 8 de janeiro em Brasília.
Houve mais que omissão e cumplicidade dos comandos em relação aos acampamentos e ao ativismo político de militares nas plataformas digitais e nas ruas. Em muitos casos, oficiais da ativa atuaram abertamente como vanguardas do caos.
Há inúmeros casos documentados sobre o protagonismo central dos militares no processo que culminou no 8 de janeiro, mas três deles são mais emblemáticos: [1] o do general André Ribeiro Allão, comandante da 10ª Região Militar do Exército, que prometeu manter o acampamento ilegal, “ainda que existam ordens de outros poderes no caminho contrário”; [2] o caso do sargento da Marinha Ronaldo Ribeiro Travassos, lotado no GSI do general Heleno, que incitava os amotinados a assassinarem Lula e eleitores petistas; e [3] do coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, localizado dentro do Planalto, que no 8 de janeiro impediu a prisão de comparsas de farda que barbarizaram e destruíram as instalações do Palácio.
Apesar de todas evidências, indícios e provas do envolvimento criminoso de militares da ativa e da reserva nos atentados contra a democracia, ainda não se conhece nenhuma medida disciplinar interna no âmbito das Forças Armadas e, tampouco, inquéritos policiais.
O Exército puniu apenas o coronel da reserva Adriano Camargo Testoni, mas ainda assim com a simples exoneração de um cargo de Prestação de Tarefa por Tempo Certo [PTTC] no Hospital das Forças Armadas. O PTTC é uma “boquinha” imoral inventada para aumentar a renda dos oficiais da reserva. A punição, no entanto, não se deveu à atuação criminosa do coronel Adriano nos atentados de 8 de janeiro, mas porque ele publicou vídeo xingando e ofendendo suas excelências, os comandantes, que não deram cobertura [prometida] para o êxito final da intentona.
O Ministério Público Militar só recentemente abriu investigações preliminares, e de apenas oito casos. Em que pese as provas e o tempo já decorrido, até o momento não há uma única denúncia formalizada.
A depender das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, a única mudança aceitável é a de Giuseppe di Lampedusa, em O Leopardo: “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
O dever de investigar e julgar a responsabilidade de militares pelos inúmeros crimes contra o Estado de Direito perpetrados antes, durante e depois do 8 de janeiro, é do poder Judiciário e das instituições civis, não da justiça militar, que inclusive já deveria ter sido extinta.
Esta é a melhor circunstância da história para o Brasil enfrentar a questão militar e colocar fim à tutela da democracia. Desaproveitar esta oportunidade poderá cobrar um preço alto em um futuro mais próximo que distante.
A impunidade, o esquecimento, o perdão e o medo são inimigos fatais da justiça e da democracia. Funcionam como chaves de acionamento das máquinas fascistas sempre à espreita e que, sentindo-se impunes, voltam a repetir a prática de crimes bárbaros contra a democracia.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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