Redação –
Uma reclamação no Supremo Tribunal Federal pode servir de gancho para revisão do alcance e da credibilidade das delações no país. No centro do debate está uma delação de 2003 do doleiro Alberto Youssef, firmada com o Ministério Público Federal e do estado do Paraná, no chamado caso Banestado.
Cerca de dez anos depois do acordo, Youssef fez outra delação com o MPF, desta vez na “lava jato”. Ali, ele narra ter descumprido o acordo e cometido diversos crimes após fechar a primeira delação. O acordo foi homologado pelo então relator da operação no STF, ministro Teori Zavascki.
Já em 2015, o MP do Paraná pediu a rescisão do acordo homologado no caso do Banestado [banco do governo paranaense desestatizado em 2000], que foi acolhida pelo pelo Tribunal de Justiça do estado.
Em apelação, Youssef alegou que a delação com a “lava jato” abarcava o período anterior ao do Banestado. Além disso, afirmou que os acordos eram interdependentes e que a rescisão do acordo anterior, confirmada pelo TJ, desrespeita a homologação por Zavascki.
Antes de ser liberada para julgamento pelo atual relator, ministro Luiz Edson Fachin, foi anexada uma manifestação da Procuradoria-Geral da República.
O documento diz que a delação com a “lava jato” abrange o acordo anterior no caso Banestado e que houve uma “novação das obrigações a que havia se comprometido Alberto Youssef no bojo do ‘caso Banestado’, substituídas por aquelas decorrentes do novo acordo”.
O parecer foi assinado em novembro pelo subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá, ex-coordenador do grupo da “lava jato” na PGR, que pediu desligamento do cargo em janeiro.
“Observa-se a impropriedade da cadeia decisória que culminou no ato reclamado, pois, a rigor, não cabe às instâncias ordinárias efetuar juízo rescisório do acordo de colaboração premiada, mas sim aferir o cumprimento das obrigações acordadas para a concessão dos benefícios previstos no contrato”, afirmou Adonis, que defendeu que não cabe a outros juízos homologar a rescisão do acordo.
Para o subprocurador, trata-se de um único negócio jurídico e que interessa entender é que o acordado com o MPF e o MP do Paraná “era relativo ao mesmo conjunto de fatos, nas esferas de atribuição de cada um dos órgãos ministeriais”.
A Reclamação 37.343 está liberada para julgamento desde dezembro de 2019.
Omissão
Um outro parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal em 2015 já pedia para anular a delação do doleiro e todas as provas produzidas a partir dos seus depoimentos.
Conforme reportagem da ConJur, o documento mostra que, quando um delator quebra as regras do acordo, como Youssef já fez uma vez, o Estado não pode confiar nele de novo, a ponto de aceitar uma nova colaboração.
O parecer foi assinado pelo ministro aposentado Gilson Dipp, que deixou em 2014 sua cadeira no Superior Tribunal de Justiça. De acordo com ele, os procuradores da República foram omissos ao ignorar a continuação da delinquência no documento que oficializou a segunda oportunidade. “Não há, sequer, uma menção à quebra do acordo pela prática de crime posterior.”
A informação é importante porque o perfil do delator é um dos critérios que precisam ser levados em conta para a concessão do benefício, conforme o artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013).
Ele conclui que a segunda delação premiada “mostra-se imprestável por ausência de requisito objetivo — a credibilidade do colaborador — e requisito formal — omissão de informações importantes no termo do acordo”, tornando “imprestáveis” todos os atos e provas que vieram a partir do que declarou Youssef.
Clique aqui para ler o parecer
Rcl 37.343
Fonte: ConJur, por Fernanda Valente
MAZOLA
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