Por William de Oliveira –
A constituição no seu artigo 182 preceitua que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus cidadãos. Ora, nesse caso, evidentemente a remoção de casas, ainda que construídas de forma irregular, afigura-se completamente inadequada aos objetivos constitucionais da política urbana mormente no contexto da pandemia que coloca ainda a saúde pública como bem a ser protegido e suprime qualquer possibilidade de urgência para o exercício da suposta autoexecutoriedade urbanística.
A moradia é um direito fundamental que abrange não apenas ter um teto para morar, mas também a disponibilidade de condições essenciais para que a habitação e a região onde esteja localizada sejam ambientes seguros e com qualidades mínimas para garantir o desenvolvimento pessoal e social. O acesso à moradia depende fundamentalmente do acesso à terra, pressupondo antes de tudo a posse, não a propriedade. Entretanto, existe uma tradição na sociedade brasileira que entende que a estabilidade da relação de um morador com um bem imóvel e direito de propriedade.
Especialmente na Rocinha, desde 2007, existe regras urbanísticas que estabelecem, por exemplo, o gabarito dos imóveis. De acordo com a localização, as construções podem ter de um a cinco andares. Porque Desde 2006, a área vinha sendo objeto de regularização fundiária para a garantia da posse através da concessão do direito real de uso para fins de moradia, no âmbito do Programa Papel Passado do Ministério das Cidades e executado pela Fundação de Direitos Humanos Bento Rubião.
Imagine que sua família chega no momento crucial de uma grande virada de vida.
A reforma de sua sonhada casa, é uma questão de sobrevivência, e nesse exato momento eu vejo vários sonhos de moradores e até mesmo os meus sonhos passando por um choque de realidade, imagine que após anos lutando, trabalhando dentro do que é possível para vê seu sonho concretizado. E, principalmente, que esse sonho possa ser compartilhado com sua família.
Realizar a Construção de sua casa, um sonho que as soluções seja apenas para mim, mas que também incluam os filhos, netos, bisnetos que também são moradores da Rocinha ou de qualquer favela do brasil desde que nasceram.
A Constituição de 1988 restabeleceu o regime democrático, ampliando direitos políticos e declarando direitos sociais. Treze anos depois, num processo de confrontação direta de interesses divergentes, foi aprovada a Lei Federal n° 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, que regulamenta os Artigos 182 e 183 da Carta Magna, o capítulo da Política Urbana.
A noção do direito de propriedade como um direito absoluto, conforme defende o liberalismo clássico, foi disseminada pelo Código Civil de 1916 e vigorou até 2002 (FERNANDES apud TRINDADE, 2012). O Estatuto da Cidade de 2001 e o Código Civil de 2002 relativizaram esta noção em face da função social da propriedade, um avanço que não pode ser desprezado, tendo em vista que o ordenamento legal sempre desempenhou uma ação decisiva na (re) produção das desigualdades sociais na América Latina
Por meio de uma legislação recente, aprovada no ano de 2009, surge ainda o instrumento da legitimação da posse. Através dele o poder público reconhece a posse de terras privadas por moradores em áreas contempladas com projetos de regularização fundiária de interesse social, fornecendo títulos fundiários de legitimação da posse que podem ser, ao término de cinco anos, convertidos em um título de propriedade privada, constituindo a chamada “usucapião administrativa”.
Como exemplo da aplicação do instrumento da usucapião, podemos destacar a comunidade Chácara do Catumbi. Localizada no Morro da Mineira, na região central da cidade do Rio de Janeiro, esta comunidade recebeu no ano de 2018 o título de propriedade através de um processo de usucapião coletivo.
Você imagina que uma famílias ocupa um imóvel há mais de 50 anos para moradia e haviam passado recentemente por um episódio de ameaça da permanência durante a realização de obras de urbanização na favela do Morro da Mineira. Para o terreno ocupado pelas famílias, era proposta pelo poder público, a construção de um equipamento cultural que, diante da mobilização das famílias, não teve andamento. Na luta pela permanência, as famílias contaram com o apoio da Pastoral de Favelas e da Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião, entidades que acompanharam o processo de usucapião ao longo dos seus mais de dez anos (tendo sido iniciado em 2006).
Para que o exercício do direito à moradia seja juridicamente assegurado nas favelas, ou nas cidades, além da urbanização é igualmente necessário o uso de meios legais que garantam a posse ou a propriedade dos moradores sobre os bens.
Há mais de 1.000 favelas no Rio e cada uma dessas favelas ou comunidades tem uma história única. É fundamental que as políticas públicas respeitem essas histórias, já que muitas vezes o senso de identidade é maior em favelas do que na cidade formal.
É perigoso criar políticas que vejam as favelas, as quais são cheias de história, como “menos do que são”. O estigma associado com essas percepções pode fazer as políticas públicas penalizarem e criticarem as favelas pelos seus “problemas”, sem focar em seus ativos e, portanto, podem desmantelar os ativos no processo de busca por soluções. Eu mesmo, Com o tempo, eu comecei a ver que é um lugar bonito. Quando eu realmente comecei a olhar, eu comecei a admirar a beleza. Eu comecei a gostar mais de lá, das cores.
A oposição entre a favela e a cidade formal é desse tipo de natureza. Da minha casa você pode ver a Pedra da Gávea e ela em contraste de como a favela fica muito bonita. A favela à noite parece uma árvore de Natal gigante por causa das muitas luzes acessas na Rocinha, o poder público deve saber que Há muitas pessoas que desejam permanecer em suas comunidades, mesmo se a escolha de mudar para lá em primeiro lugar não tenha sido delas. Se sentir confortável e orgulhoso do lugar onde se vive é importante não só para o bem estar de uma pessoa, mas também para o amplo ecossistema em que a pessoa vive. O poder público com sua política de habitação deve reforçar isso.
Por isso decidi escrever, para declarar a vocês que “Eu não escolhi ROCINHA para morar, a ROCINHA me escolheu, é diferente. Meus avós chegaram na Rocinha, meus Pais nem eram nascidos. Minha avó me dizia que quando chegou aqui eram muitos barracos de madeira na lama. Meus familiares que hoje tem a 5 geração trabalhou na transformação desse local, eles fizeram por gosto.
Hoje com 51 anos, Eu criei meus filhos aqui.. meus pais hoje criam seus netos aqui.
A Rocinha e o lugar que vivencio minha vida. Eu e minha família conseguimos viver aqui tranquilamente. E hoje peso ao poder público que não derrube a casa das pessoas, não destrua o que muitos moradores construíram por longos anos com sangue e suor do trabalho.
WILLIAM DE OLIVEIRA – Mediador, Empreendedor, Ativista, morador da Favela da Rocinha há 51 anos e Presidente do Instituto Missão Rocinha, diretor de Direitos humanos, segurança pública, e meio ambiente da Federação de favelas do Rio de Janeiro, e diretor de apoio da diretoria da Associação de Moradores da Rocinha. ‘Titular da coluna Tribuna das Comunidades’.
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