Por Lincoln Penna –
“…gente de fora, moradores dos subúrbios da história, os latino-americanos somos comensais não convidados que penetraram pela porta dos fundos do ocidente, os intrusos que chegaram à era moderna quando as luzes estão quase se apagando. Chegamos tarde e todas as parte, nascemos quando já era tarde na história e tampouco temos um passado ou se o temos o esculpimos sobre restos. (Octavio Paz)
Este desabafo de Octavio Paz traduz com todas as cores o sentimento de revolta contida dos que se sentem à margem das mais bem-sucedidas conquistas da humanidade, quase sempre a beneficiar as nações que detêm os recursos do poder e dos processos indispensáveis para esse usufruto. Ao mesmo tempo é um retrato em preto e branco de uma região de passado colonial que, no entanto, não logrou superar os desafios para tornar-se verdadeiramente emancipada.
A América Latina vive na atualidade um dilema que se arrasta faz tempo. Ele consiste na tomada de decisão quanto aos rumos a serem dados com vistas à construção de seu futuro. O contencioso até o momento não inteiramente superado esbarra em muitos obstáculos, muitos dos quais passíveis de serem removidos bastando para tanto uma dose de vontade política e determinação de seus povos. Para isto, é necessário ações conjugadas e unificadas.
As iniciativas isoladas do ponto de vista dos estados nacionais, haja vista Cuba, Nicarágua e podemos incluir a experiência do Chile de Allende, cada qual com as suas peculiaridades, porém centradas em objetivos não obstantes exemplares para os demais países da região acabaram se enfeixando de modo a que cada qual passasse a cuidar de seus próprios compromissos nacionais. Isto dá uma ideia da importância da ação conjunta, que nunca é tarde para ser cogitada. Esta é a única forma pela qual o conjunto da América Latina pode vir a alcançar a sua real libertação, a do jugo de antigas e novas metrópoles na esteira dos interesses do grande capital.
Considerando que os processos de independência, salvo casos especiais, foram mais determinados pela debilidade das metrópoles do que pela coesão e fervor popular dos patriotas nas várias colônias que lograram suas emancipações no século XIX, tem-se uma ideia dos desdobramentos, que em geral foram absorvidos pelas elites dominantes que vigoravam nessas antigas colônias ibéricas.
Exaltar um Bolívar e tantos outros patriotas que se levantaram contra o jugo colonial e a espoliação promovida pelos colonialistas é não apenas justo como necessário fazê-lo.
Porém, é preciso ficar claro que se tratou de uma luta praticamente restrita aos campos de batalha que, com exceções muito pontuais como o 2 de julho de 1823 na Bahia, se resumiu aos embates militares entre tropas metropolitanas e as forças que representavam os libertadores. O povo em sociedades ainda dominantemente escravocratas ficou à margem.
Esse passivo em termos de participação massiva do povo ainda é um desafio para que alcancemos a nossa emancipação latino-americana, pois sem ela todos os esforços na direção de uma unidade dos povos pouco ou nada valem exatamente pela ausência dessa força indispensável indispensável para que almejemos a condição de libertação não alcançada por completo.
A instituição do Mercosul, da Unasul, e de outros órgãos aglutinadores dos estados da região se situam nas esferas governamentais. São iniciativas importantes, mas sem a participação do povo consciente de seu papel e entrelaçado a governos comprometidos com o protagonismo popular pouco há de se esperar. Acresce a isso que esse mesmo povo sem organização e mobilização permanentes dificulta a completude de uma verdadeira autonomia. São carências que tornam ainda mais precárias as expectativas e muito menos animadoras as esperanças de que dias melhores virão.
A unidade latino-americana é de fundamental importância para se desfechar um processo conjunto capaz de desencadear a irmandade de nossos povos, cujas afinidades foram tecidas historicamente ao longo do tempo que forjou a todo custo alguma identidade, que agora precisa ser minimamente exercitada para o bem coletivo.
O governo Lula é uma esperança não apenas por ter o chefe de estado brasileiro plena consciência dessa necessidade, seja pela sua vivência e ou sensibilidade política, ou ainda por entender que não há outra saída para o conjunto da América Latina. O fato é que será preciso romper algumas amarras e estas dependem também da criação de uma verdadeira federação de demandas latino-americanas voltadas tanto para o público interno quanto externo.
Esta é a tarefa que se encontra na ordem do dia de nossos povos. Abraçá-la é uma exigência da história do tempo presente, que não pode ser mais adiada.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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