Por José Carlos de Assis –
Algum tempo atrás publiquei aqui na Tribuna da Imprensa Livre, em vários blogs, e também na edição impressa do severo Estado de S. Paulo, um artigo para explicar de forma a mais didática possível como funcionam essas chamadas moedas virtuais, a bitcoin e milhares de outras que a sucederam com o nome atraente de cryptomoedas. Advertia que o colapso desse mercado é inevitável. Ainda não aconteceu. É que toda a vez que há risco de quebra efetiva dele, especuladores espertos entram em ação para salvá-lo, ajudando a salvar também o sistema financeiro comum.
É o que aconteceu, no Brasil, principalmente em 2020: um tremor no mercado de bitcoin provocado por um especulador dedicado aos trambiques em moeda virtual, conhecido como Faraó, criou um verdadeiro pavor em todo o mercado das cryptomoedas, sinalizando uma quebra generalizada. Em reação, rios de publicidade pela TV Globo, apresentados por ninguém menos que o astro global Pedro Bial, foram despejados na mídia para convencer investidores de que continuar aplicando em cryptomedas era o grande negócio do momento.
Esse caso foi emblemático. Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó, tinha um salário de R$ 800 reais de garçom, em 2014, e acumulou em poucos anos uma fortuna de R$ 60 milhões em bitcoins, declarada na Justiça Eleitoral em 2021 (embora preso, queria ser deputado federal nessas eleições). A partir da prisão dele, a Polícia Federal fez recentemente outras operações contra operadores de cryptomedas, inclusive no Sul do país, sob suspeita de fraudes.
Alguns foram ou estão sendo presos. E milhares de pessoas sofreram prejuízos irreversíveis.
Nesta terça-feira (18), a Polícia Federal de Mato Grosso do Sul explodiu um esquema internacional baseado em cryptmoedas que deu prejuízos estimados em mais de R$ 4,1 bilhões, dificilmente recuperáveis, a mais de um milhão 300 mil pessoas em mais de 80 países. Os farsantes presos foram acusados de crimes contra o sistema financeiro nacional, evasão de divisas, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, usurpação de bens públicos, crime ambiental e estelionato.
Estão sendo cumpridos seis mandados de prisão preventiva contra os líderes da organização criminosa e 41 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande/MS, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Santa Catarina. Os agentes cumprem ainda mandados de bloqueio no valor de 20 milhões de dólares e sequestros de dinheiro em contas bancárias, imóveis de altíssimo padrão, gado, veículos, ouro, joias, artigos de luxo, mina de esmeraldas, lanchas e criptoativos em posse das pessoas físicas e jurídicas investigadas.
Entretanto, quando afirma que explodiu um esquema baseado em cryptomedas, a PF parte de uma premissa errada, assim como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Ambas alegam que as cryptomoedas estão sendo usadas para fazer pirâmides financeiras. A realidade, porém, é outra. As cryptomoedas são, em si mesmas, pirâmides financeiras, conforme mostrei no meu artigo citado. Uma cryptomeda, enquanto tal, não vale nada, porque, numa situação de crise, ela não tem um Estado por trás para sustentá-la. Vira pó.
Os únicos que podem salvá-las são os idiotas que as compram.
Uma pirâmide financeira é um esquema fraudulento inaugurado ainda no século XIX pelo qual alguns espertalhões atraíam investimentos financeiros oferecendo por eles rendimentos excepcionais. Acontece que não investiam realmente nada dos recursos arrecadados. Simplesmente pagavam os investimentos antigos com novos investimentos. Não havendo novos investimentos ou rendimentos reais gerados pelos antigos, os fraudadores do mercado deixavam de pagar esses últimos e todo o esquema simplesmente explodia.
Isso justifica o fato de que Bill Gates, o bilionário fundador da Microsoft, tenha declarado que só um idiota compra cryptomoeda. Entretanto, idiota é o que mais existe no mundo. Sobretudo idiotas que querem enriquecer rapidamente sem trabalhar. Os investidores de Mato Grosso do Sul eram atraídos por ofertas mirabolantes de rendimentos. O problema é que, nas fases de forte especulação, alguns ganham. Contudo, quando quebra, o sujeito que aposta em bitcoin ou qualquer outra cryptomoeda não perde sozinho. Ele leva junto um mercado inteiro. É a circunstância de que às vezes ganha que torna a aplicação atraente.
Muitos economistas acham que o mercado de bitcoins é ainda pequeno em relação ao mercado financeiro global. Por isso, argumentam, as cryptomoedas, que se multiplicaram nos últimos tempos, não têm como abalá-lo. Aparentemente isso é verdade, em termos quantitativos. Acontece que mesmo mercados financeiros normais quebram pela margem, não pelo seu núcleo central.
Eis o que escrevi no artigo supracitado:
As bolsas quebram não porque tenham algum desequilíbrio de fundo na oferta e demanda de ações, mas porque alguém, ou alguns, acham que ela vai quebrar. Para transformar suas aplicações em dinheiro vivo, essas pessoas vendem tudo que têm em ações e vão em busca de algum ativo real. Outros, percebendo que isso está acontecendo, vendem também suas ações e deixam de comprar. É o famoso efeito manada. De repente todo mundo vende e ninguém compra. E aí a bolsa quebra, inapelavelmente. Instala-se o caos financeiro, que afeta também a economia real.
Não há remédio contra isso.
É um movimento estritamente subjetivo. Não entendo como alguns economistas não tiram daí a conclusão necessária de que sistemas financeiros quebram pela margem, e não pelo corpo principal do mundo real que quantificam. Assim, algo tão insignificante em relação ao mercado financeiro globalizado como o universo paralelo das bitcoins, a moeda privada que não é garantida pelo Estado, pode desencadear um desastre de proporções catastróficas.
A bitcoin é o equivalente contemporâneo, de perfil tecnológico, de uma pirâmide financeira antiga: ganha nela quem entra primeiro e sai primeiro. O sujeito que entra paga pelo que sai. Na febre especulativa, sempre entra mais gente do que sai. Nos primeiros tempos desse mercado paralelo, é preciso que mais gente nova entre no processo para pagar as aplicações dos antigos, a preços cada vez mais altos. A percepção é de uma alta fantástica, sem limites. Aí então um ganhador desconfiado não volta ao mercado para comprar. Ninguém compra. Vem o estouro.
Meus artigos, inclusive um assinado junto com o economista Daniel Conceição, especialista em macroeconomia e crises financeiras, foram ignorados. Enquanto isso, a gangorra das cryptomoedas segue em frente. A presidente do BCE (Banco Central Europeu), Christine Lagarde, chegou a fazer uma advertência do risco das cryptomedas para o sistema financeiro global. Entretanto, quando foi questionada numa conferência se tem cryptomoeda, disse que, por coerência com o que prega, não tem. Mas admitiu que seu filho tem.
Nesse contexto, não há nada mais estúpido do que a pretensão da Prefeitura do Rio de Janeiro de investir em cryptomoedas, e aceitá-las para pagamento de impostos, como anunciou o prefeito Eduardo Paes. O assunto ainda está em discussão, mas o simples fato de trazê-lo à baila é um disparate. De fato, o CEO da maior corretora de criptos do mundo, Changpeng Zhao, que esteve no Rio recentemente, afirmou que a empresa abrirá um escritório na cidade. A promessa foi feita diretamente a Paes.
É preciso levar isso a sério. O movimento do prefeito carioca em direção às bitcoins faz parte da febre especulativa mundial apoiada na globalização. No Brasil isso é pior em relação ao resto do mundo por causa de nossa vocação especulativa com juros. Estamos mergulhados numa crise financeira recorrente, que atravanca nosso desenvolvimento.
Mostro isso no livro recém-lançado, “A Economia Brasileira como Ela É”, que tem um capítulo sobre bitcoins. O livro, editado pela Amazon, está na Estante Virtual e pode ser acessado neste link.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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