Por Carlos Mariano –
Deixa Falar é a primeira escola de samba do Brasil.
O enredo da Portela para o carnaval de 2023 será “O azul que vem do infinito” que leva a assinatura do consagrado casal de carnavalescos: Renato e Marcia Lage. A ideia é contar os 100 anos de história dessa tradicionalíssima escola de samba carioca, a maior vencedora de títulos dos desfiles oficiais.
No fim da sinopse do enredo, os carnavalescos dizem que a história da Portela é atemporal, ou seja, fora do domínio do tempo. Essa frase é bem emblemática e define esse enredo da Portela.
A história portelense pode ter começado sim, em 1923 com a formação do chamado “Grupo Oswaldo Cruz”, que tinha na sua gênese, o trio de sambistas e intelectuais negros Paulo da Portela, Antônio Caetano e Antônio Rufino. Os mesmos que fundariam no final da década de 1920, aí, sim, a Portela. Mas, é preciso esclarecer: a Azul e Branco, como instituição, como escola de samba, não fará 100 anos em 2023. Isso se revela pelo simples fato histórico de que em 1923 ainda nem se tinha, na sua forma como é reconhecido hoje, o samba de sambar e muito menos as escolas de samba.
Quem é do segmento sabe que a história das escolas de samba foi construída a partir dos relatos orais de seus baluartes fundadores que, ao longo do tempo, foram sendo registrados em textos pelos pesquisadores engajados em resguardar as memórias dessas instituições culturais que traziam consigo a ancestralidade da cultura da diáspora negra. Essa característica da oralidade intrínseca na narrativa sobre as escolas de samba, naturalmente, traz uma infinita produção de narrativas que, às vezes, desencontram-se em si mesmas. Contudo, diz o manual de um bom historiador que nessas situações os pesquisadores devem comparar as fontes e privilegiar o consenso de fatos estabelecidos ao longo das afirmativas investigadas e narradas. Seguindo por esse caminho, considerando tudo que foi publicado até hoje sobre a história das escolas, é fato e consenso que a Deixa Falar, agremiação carnavalesca criada pelo grupo de sambistas do bairro do Estácio e Morro do São Carlos, é considerada a primeira escola de samba do Brasil, bem como o samba, como se conhece hoje e trilha sonora das escolas de samba, também é uma criação dos famosos bambas do Estácio.
Antonio Candeia Filho, um dos maiores ícones da história portelense, antes de nos deixar, em 1978, escreveu em parceria com o amigo, Isnard Araújo, um clássico da literatura carnavalesca: “Escola de samba – Árvore que esqueceu a Raiz”. Nele, o bamba portelense diz que no terreiro do pai de santo Napoleão José do Nascimento, progenitor do lendário bicheiro portelense Natalino José do Nascimento, o Natal, ocorriam reuniões de caxambu e batuque no qual participavam sambistas que vinham mostrar o samba novo do Estácio. Dentre eles, Ismael Silva, o criador da Deixa Falar. Eles iam às festas do “senhor” Napoleão para ensinar o samba de sambar do Estácio para a galera de Oswaldo Cruz.
Sérgio Cabral, em seu “Escolas de Samba do Rio de Janeiro”, diz com todas as letras que os sambistas do Estácio foram os criadores da primeira escola de samba, bem como ajudaram e ensinaram a organizar grande parte das escolas que foram criadas a partir de 1928 – ano de fundação da Deixa Falar. Inclusive, ajudaram, mais tarde, na fundação da Portela.
Outros trabalhos publicados sobre o tema ratificam que só depois de 1928 que se tem o início do ciclo das escolas de samba no carnaval brasileiro. Não podemos deixar de reconhecer a importância da Portela para a história do carnaval brasileiro, seu vanguardismo e sua gloriosa trajetória como escola de samba. Mas daí, concordar com essa informação de que em 2023 a Portela vai completar 100 anos, são outros “quinhentos”…. Só caberia, aliás, dentro de uma narrativa mítica, defendida na própria sinopse do enredo portelense.
É lógico que a Portela tem o direito de contar a sua fantástica história do jeito que ela quiser, mas como pesquisadores temos também o compromisso de debater e refletir sobre as diversas versões de história argumentadas e defendida no mundo do samba.
CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
PATROCÍNIO
Tribuna recomenda!
MAZOLA
Related posts
Pesquisa divina – por Paulo Metri
Picaretas
Editorias
- Cidades
- Colunistas
- Correspondentes
- Cultura
- Destaques
- DIREITOS HUMANOS
- Economia
- Editorial
- ESPECIAL
- Esportes
- Franquias
- Gastronomia
- Geral
- Internacional
- Justiça
- LGBTQIA+
- Memória
- Opinião
- Política
- Prêmio
- Regulamentação de Jogos
- Sindical
- Tribuna da Nutrição
- TRIBUNA DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA
- TRIBUNA DA SAÚDE
- TRIBUNA DAS COMUNIDADES
- TRIBUNA DO MEIO AMBIENTE
- TRIBUNA DO POVO
- TRIBUNA DOS ANIMAIS
- TRIBUNA DOS ESPORTES
- TRIBUNA DOS JUÍZES DEMOCRATAS
- Tribuna na TV
- Turismo