Redação –
Relatório (Parte III).
MISSÃO À NOVA MUTUM, PORTO VELHO, RONDÔNIA, COM O OBJETIVO DE AVALIAR AS CONDIÇÕES DOS CAMPONESES DAS ÁREAS TIAGO CAMPIN DOS SANTOS E ADEMAR FERREIRA DA LIGA DOS CAMPONESES POBRES – 25 A 27 DE OUTUBRO DE 2021.
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Continuação do Relatório
No processo de retirada das famílias da Área Tiago Campin dos Santos, muitas mudanças e pertencentes dos camponeses não foram retirados. Os policiais militares não deixaram as pessoas retirarem seus pertences, sendo que muitos ficaram na beira da estrada, conforme demonstra arquivo de fotos em apenso.
Relatam os camponeses e, comprova-se pelas fotos abaixo, que muitos barracos e casas foram destruídos pelas forças policiais que executaram o despejo, mesmo não havendo na decisão de primeiro grau qualquer menção no que diz respeito à destruição das benfeitorias sobre a terra, tendo agido as forças policiais POR VONTADE PRÓPRIA ao destruir os bens dos camponeses e não por decisão judicial, como prevê nossa legislação. E ainda, continuaram destruindo as moradias mesmo depois de oficiados sobre a decisão da Ministra de Suspensão da Liminar de Reintegração de Posse. Inclusive, a destruição das casas dos camponeses da Área Tiago Campin dos Santos foi realizada após a devida ciência do Comando da Polícia Militar da decisão de suspensão da liminar de Reintegração de posse pelo STF.
Relatam ainda que no momento do despejo os policiais que executavam de forma ilegal a ação jogaram animais mortos e óleos nos poços de água potável que existem nos lotes e que abasteciam as famílias diariamente.
6 – ATIVIDADES DA MISSÃO
6.1- Reunião no Ministério Público Estadual
Em 25 de outubro de 2021 foi realizada uma reunião mediada pelo Ministério Público Estadual com o objetivo de discutir o cumprimento da medida liminar do STF que interrompia a reintegração de posse da Área Tiago Campin dos Santos, no que permitia aos camponeses que ainda lá permaneciam e o retorno daqueles despejados em 19 de outubro de 2021.
Participaram da reunião a ABRAPO, o CEBRASPO, a Ouvidoria da Defensoria Pública, a CPT – que faziam parte da missão, e a Polícia Militar de Rondônia, através do Comandante da PM-RO e do Comandante da Operação “Nova Mutum”, o Defensor Público e vários representantes da Prefeitura de Porto Velho/RO, como as Secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social, além do Chefe da Casa Civil. O Incra não compareceu e nem representante do Governo do Estado de Rondônia.
O entendimento do Comando da PM era que os despejados das Áreas Tiago Campin Santos e Ademar Ferreira não voltariam mais a área, em desacordo com a liminar do STF. Foram apoiados indiretamente neste pleito pelo Defensor que queria colocar os argumentos mais absurdos, desde as condições locais precárias em termos de saneamento até exigências das pessoas serem previamente vacinadas contra a COVID. Por outro lado, a Prefeitura pressionava para que os despejados se retirassem prontamente da escola municipal que ocupavam, pois necessitavam iniciar o ensino presencial. A PM despendeu grandes esforços para criminalizar os camponeses, alegando a presença de armas, de ordens de prisão a serem cumpridas, até um posto de armazenamento de medicamentos e materiais médicos de primeiros socorros foi criminalizado, quando se constatou que a unidade de saúde pública mais próxima do local ficava a 40 km em precárias estradas de terra. Muitos camponeses relatavam o aumento dos casos de malária entre as crianças, adultos e idosos. As tropas da PM destruíram este mesmo Posto de Saúde e todos os instrumentos que havia nele, como microscópio e macas, numa atitude arbitrária e covarde. Destruíram ainda o local onde eram armazenados medicamentos.
Os argumentos da PM foram refutados pelos representantes da missão presentes. Na reunião, as entidades democráticas repercutiram as denúncias feitas pelos camponeses da ação covarde ocorrida durante o despejo das mais de 800 famílias, que mobilizou mais um contingente policial gigantesco. Ainda foram relatadas ilegalidades realizadas antes e durante o despejo, como o prosseguimento da operação sem a presença de um Oficial de Justiça. Foram relatados ainda casos de Covid-19 após a chegada das famílias à escola. Ademais, casas de diversas famílias foram destruídas pela polícia, após as tropas receberem a ordem de suspensão.
Os Comandantes da PM confessaram ainda que os ônibus usados para despejar as famílias durante a ação foram pagos pelo latifúndio. Ainda não se sabe a origem dos funcionários que auxiliaram na remoção dos itens das famílias despejadas. Esses funcionários estavam todos uniformizados realizando o despejo. Há denúncias de que eles seriam funcionários do latifúndio.
Houve uma tentativa de acordo por parte do MPE para a entrada dos despejados que estavam na escola, que foram contabilizados em 70 adultos e 30 crianças. A Prefeitura de Porto Velho se comprometeu a levar essas famílias e seus pertences à Área cedendo ônibus e caminhão. Aí já se manifestava, por parte da PM, a intenção de cadastrar todos os acampados que retornassem, o que não era sua função e sim, seria função do INCRA caso estivesse trabalhando em prol da Reforma Agrária.
A maioria das famílias despejadas na escola haviam se retirado de lá no próprio dia 25 de outubro, enquanto ocorria a reunião, para realizar um protesto, bloqueando a BR-364, rodovia próxima ao local.
Em resumo, no dia 25/10/2021, foi acordado com o Ministério Público de Rondônia que, não só os camponeses retornariam para as áreas que anteriormente ocupavam, como a Polícia Militar retiraria os militares que estavam no interior das Fazendas NorBrasil e Arco-Íris, área da Área Tiago Campin dos Santos e que havia sido suspenso a liminar de reintegração de posse por força da Reclamação Constitucional.
Entretanto, isso não foi cumprido. Ao contrário, a PM, em resposta aos protestos havidos de todas as direções, passou a ditar modulações inexistentes para a liminar, impedindo o acesso às áreas reintegradas, bem como mantendo barreiras nas vias de acesso, constrangendo as pessoas com abordagens truculentas e ameaçadoras, com revistas indiscriminadas nas pessoas e nos veículos, impedindo a chegada de roupas, água e mantimentos doados por apoiadores solidários.
Somente no dia 27, após muita negociação (que começou na tarde do dia 26/10) com advogado, advogadas e entidades de direitos humanos no local que as forças policiais na área (comandadas pelo Coronel Alexandre), que mantinham barreira com grande aparato ostensivo na principal entrada da Área permitiram que os despejados regressassem aos seus lotes e casas, em ABSURDO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM DA MINISTRA CARMÉN LÚCIA, visto que o fez 6 DIAS APÓS A DECISÃO TER SIDO EXPEDIDA.
Vale ressaltar que se não fossem a resistência das famílias e a insistência dos advogados, advogadas e entidades de direitos humanos que estavam participando da Missão de Solidariedade para que se cumprisse à risca a liminar expedida, o Coronel Alexandre só queria permitir a entrada de somente 70 adultos e 30 crianças (quantidade de pessoas que afirmavam ter na Escola Pública no dia 26/10), em uma tentativa cínica de burlar a decisão da ministra e ditar as regras quanto as famílias que deveriam voltar ou não para os seus lares. Sendo claro que no local, havia mais de 1.200 pessoas, e não somente 100 como sugeriu o Coronel Alexandre (o que ele permitiria que voltasse).
Essas famílias passaram o dia 26/10/2021 na beira da estrada, ao relento, sem qualquer assistência material ou social, impedidas de regressarem aos seus lares por causa da barreira policial montada na entrada da Área.
Somente no dia 27/10/2021, após diversas humilhações nas revistas pessoais feitas pelos policiais, que chegou a ocorrer até mesmo com as advogadas do processo (em violação as prerrogativas da OAB) e em crianças e adolescentes, em gravíssimo atentado ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, passaram aproximadamente 600 pessoas pela barreira policial, mediante apresentação de documentação pessoal e endereço do lote apresentado para a polícia e somente assim, puderam regressar as suas posses dentro da Área – DEVENDO SER RECONHECIDO COMO VERDADEIRO FICHAMENTO POLICIAL.
6.2 – Visita A Escola Municipal Na Localidade De Vila Da Penha onde estavam alocadas 300 famílias
No dia 26 /10/2021, as atividades de campo da Missão se iniciaram com a visita aos camponeses que foram despejados na escola municipal da Vila da Penha. Cerca de 100 pessoas haviam permanecido na escola e esperavam os ônibus da Prefeitura de Porto Velho para o retorno para a Área Tiago Campin dos Santos. As demais famílias haviam saído no dia anterior para protestar na BR.
Na escola, os integrantes da Missão de Solidariedade puderam constatar uma situação bastante precária quanto ao espaço físico da escola:
– As pias estavam entupidas;
– A água era de cor escura e com forte odor;
– Os camponeses estavam cozinhando em lugares improvisados ao ar livre pois lhes foi vedado acesso à cozinha da escola.
Foi realizada uma Assembleia, onde as organizações e pessoas componentes da Missão se apresentaram e fizeram breves saudações. Em seguida os camponeses relataram as violências sofridas durante o despejo e a situação crítica no alojamento improvisado na escola.
Relataram, ainda, que durante esta semana, policiais passavam em frente à escola fotografando e filmando as pessoas. A Defensoria Pública havia colocado um caminhão para receber queixas em frente à escola, porém os camponeses relataram que suas queixas não eram registradas e eram, inclusive, questionadas na sua veracidade.
Seguem alguns depoimentos dos camponeses
Camponesa 1 – Falou que no dia do despejo, as famílias foram orientadas que viria um caminhão para levar seus pertences. Foram obrigadas a deixarem seus móveis, geladeiras e fogões à exposição do sol, chuva e vento sem o devido encaminhamento dos seus pertences. “Falaram que quando chegasse na escola iria ter comida e água e não tinha nada. Foi uma humilhação”.
Camponesa 2– “Eles dizem que não tem dinheiro, mas eles tão gastando mais de um milhão por dia com essa operação”, compartilha indignada uma camponesa com sua neta no colo. “A maioria dos companheiros está com diarreia. Fomos tratados igual uns porcos, nunca fomos tratados igual seres humanos”.
Camponesa 3 – sobre o caminhão da Defensoria: “defender o Estado, não a gente” pois, perguntada sobre a atuação da defensoria, disse que ao irem lá, a equipe dizia que o que eles estavam relatando não era verdade e ficava debatendo com eles se os fatos relatados tinham acontecido ou não.
Camponês 4 – A água e a escola estavam sujas e eles mesmos lavaram a caixa d’água. A ação social pegou a lista das pessoas, mas ninguém mandou água nem alimentação. Só tiveram doações de companheiros.
Camponês 5 – Destruíram as casas na Área Tiago dos Santos. Comeram os porcos.
Camponesa 6 – “Falaram que quando chegasse na escola iria ter comida e água e não tinha nada. Foi uma humilhação”. Ninguém mandou água pra eles tomarem. Só as doações que eles receberam. Estão fazendo vaquinha pra comprar pão. As mudanças ficaram na beira da estrada.
Camponesa 7 – Umas duzentas pessoas ficaram doentes e foram internadas no hospital. Uma recém-nascida de 30 dias foi internada em Porto Velho com pneumonia. De Guajará Mirim a transferiram para Porto Velho. A criança ficou no relento no dia do despejo, pegando sereno.
Camponesa 8 – Para uma pessoa só deram sachês de soro, mas não deram nenhuma medicação nem soro para a maioria das pessoas.
Situação sanitária precária constatada pela médica do MOCLASPO (Movimento Classista em Defesa da Saúde do Povo), que ao entrevistar camponeses e camponesas que estavam na escola pode apontar que as famílias despejadas, ao chegarem na escola, prometida como ponto inicial de acolhimento e triagem, encontraram um local insalubre, com banheiros interditados por entupimento. Em uma escola com algumas poucas salas de aula para cerca de 500 pessoas, com uma caixa d’água há muito não utilizada (devido a suspensão das aulas em decorrência da pandemia), camponesas e camponeses tiveram a surpresa de encontrar uma água barrenta e contaminada para beber, cozinhar, tomar banho e oferecer leite às suas crianças. O desfecho não poderia ser diferente: centenas de pessoas de todas as idades com dor abdominal, vômitos e diarreia começaram a se sentir mal poucas horas após a chegada na escola.
Em um posto de atendimento improvisado, o agente comunitário de saúde da Vila fazia as vezes de Técnico de Enfermagem (já que possui formação técnica) e de motorista para levar as pessoas ao atendimento hospitalar mais próximo que era na cidade de Nova Mamoré, cerca de 30 minutos de carro da escola da Vila da Penha, onde estava despejada as famílias. “Cerca de 80 por cento das pessoas adultas e crianças que estavam na escola tiveram esses sintomas”, disse uma das poucas profissionais da assistência social disponibilizadas para o acolhimento pela secretaria de assistência social do município de Porto Velho/RO. Algumas delas também adoeceram no período em que estavam lá. O pessoal da assistência social conseguiu fornecimento de hipoclorito para colocar na água depois de alguns dias que todos já estavam lá.
O fato de muitos camponeses e camponesas que foram despejados estarem fazendo tratamento de malária ou chegaram na escola com suspeita de malária e não tiveram o atendimento inicial ou continuação do tratamento agravou o quadro de saúde de muitos deles.
Teve muita aglomeração na escola. Houve um caso suspeito de COVID. Ela foi para Nova Mamoré para ser atendida no hospital, mas não testou positivo. Deixaram-na em observação, em isolamento, depois teve alta e foi para casa de parentes em Guajará Mirim/RO.
Foi coletada uma amostra da água da escola. A análise realizada no dia seguinte em Porto Velho revelou estar em desconformidade com os parâmetros de qualidade e potabilidade da água para consumo humano, com a presença de E. coli e coliformes fecais, demostrando o alto grau de contaminação da mesma e os motivos por que diversas crianças foram hospitalizadas e os adultos, em sua maioria, ficaram debilitados.
Camponeses também relataram que os carros e motos que estavam fora da área da Área foram retirados, multados e levados para o Departamento de Trânsito (DETRAN) sem qualquer fundamentação, assim como a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM) efetuou multas ambientais de derrubadas e queimadas sem qualquer comprovação legal, já que os agentes da SEDAM, simplesmente, escolhiam as pessoas, pegavam seus documentos e lavraram o Termo de Autuação, sem que as pessoas pudessem fazer qualquer manifestação. Os agentes da SEDAM estavam armados e agrediam verbalmente as pessoas que estavam sendo retiradas da Área.
No início da tarde do dia 26/11/2021, depois da oitiva de vários camponeses e camponesas sobre as violências sofridas, com a chegada dos micro-ônibus e do caminhão da Prefeitura de Porto Velho/RO, uma grande comitiva de carros, ônibus e motos, formada por integrantes da Missão, as famílias despejadas, com acompanhamento de uma ambulância solicitada pelas médicas da missão (pois havia relatos de crianças com malária na Área) se dirigiram para a Área Tiago Campin dos Santos.
Leia também:
Vídeo do Ato de lançamento do Relatório (fonte: AND)
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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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