Por João Marcos Buch –
Em relatório recente das organizações Terra de Direitos e Justiça Global, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), sofre de uma profunda crise, que resulta em riscos para ativistas do país.
Não sou ativista, pois membro de Poder e, como tanto, em certa medida tenho, isto sim, a responsabilidade de garantir proteção àqueles que o são. Aliás, a Resolução no 53/114 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1998, que institui a “Declaração de Defensores de Direitos Humanos”35, no item 35.2, assim prevê.
Portanto, sempre tendi a não me ver em risco, mas de proteger quem está. Até agora…
No passado, como juiz criminal, ainda que meus posicionamentos fossem constitucionais, primassem pelo devido processo legal, com decisões que, cassadas num primeiro momento, mais tarde viriam a ser chanceladas pelo Supremo Tribunal Federal, como por exemplo a concessão de liberdade provisória em tráfico de drogas, o fato é que, como prolatava também sentenças condenatórias, meu trabalho era aceito pela maioria. Entretanto, desde que passei a atuar na execução penal, tornando visível a vida de quem está preso e descortinando um sistema de justiça criminal e prisional seletivo e desumano, insípido quando se trata de resgate da dignidade e superação da violência, passei a viver em uma constante vigília.
Sempre que saio da prisão e torno público o desespero que lá encontro, quando conto da dor de presos, que em celas superlotadas pedem por uma nova chance, não são poucos os que, por vias transversas, lançam invectivas graves, desejando-me tanto mal que chego a desconfiar se são mesmo pessoas deste século e não sujeitos vindos diretamente da inquisição medieval. Incentivados por um discurso presidencial intolerante e violento, essas pessoas destinam-me muito ódio, ignorando por completo a realidade de meu trabalho, desconsiderando o direito e suprimindo noções básicas de cidadania.
Além disso, os ataques também ocorrem a partir de decisões que tomo, sustentadas no ordenamento nacional e internacional sobre direitos humanos, como as Regras de Mandela ou o Pacto de São José da Costa Rica.
São insinuações ou tentativas diretas de intimidação, em geral sob argumentos de lei, ordem e segurança pública. Isso não é exclusivo. Juízes que, no exercício da jurisdição, agem em contracorrente e empunham a bandeira dos direitos fundamentais, em geral enfrentam falsas notícias, difamações, assédios morais e até acusações criminais.
É um processo de desgaste, semelhante ao “lowfare”, que se baseia na ausência de lealdade aos princípios que compõem o caráter e contra o qual é preciso constantemente se defender, insistindo na responsabilidade de um Poder Judiciário que tem a obrigação de saber que o mundo não se encerra dentro dos palácios, que existem pessoas lá fora que sofrem e que precisam da presença de seus membros.
A questão é que neste Brasil polarizado e protofascista estão tentando me matar. É a morte dos meus ideais, de minhas causas, é a morte do juiz de direito que sou.
Pois refuto essas ameaças! Independentemente de estar ou não incluído entre os defensores dos direitos humanos, em risco ou não, tenho o dever de me manter fiel à razão da existência do cargo que ocupo.
Um juiz, em uma democracia constitucional, legitima-se pela garantia dos direitos. Os seres humanos que estão presos têm o direito de me encontrar no cárcere, de mostrar suas realidades para que eu as transmita ao mundo e de pedir por seus processos, recebendo como resposta, para o sim ou para o não, decisões fundamentadas e filtradas na Constituição e nos tratados e pactos internacionais de direitos humanos.
As tormentas que atravesso para tanto não vão me matar.
JOÃO MARCOS BUSH é juiz de direito da vara de execuções penais da Comarca de Joinville (SC) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
A coluna ‘Tribuna dos Juízes Democratas’, dos juízes e juízas da AJD, é associada às colunas ‘Avesso do Direito’ do jornal Brasil de Fato e ‘Clausula Pétrea’ do site Justificando.
Publicado inicialmente no jornal GGN. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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