Por Aderson Bussinger

1º de maio sob ataque da pandemia e dos empresários.

Este ano a classe trabalhadora brasileira e da maioria dos países do mundo irá comemorar o seu Dia Internacional de lutas no pior momento por ela já experimentado, para muito além do que vivenciado nas duas grandes guerras mundiais, pois neste caso, em lugar de fardada nos campos de batalha,se encontra hoje amordaçada e quase totalmente imobilizada pelo inimigo invisível trazido pela atual pandemia, impedida por razões sanitárias de se valer de um de seus mais tradicionais instrumentos de luta que são, (depois das greves), os atos públicos,as marchas,passeatas de protesto e reuniões operárias e de trabalhadores em geral, sobretudo nos centros políticos e financeiros das capitais, onde melhor se fazem ouvir estes eventos político- sindicais.

Nesta excepcional e inimaginável circunstancia apelarão os sindicatos de trabalhadores certamente para as transmissões de vídeos, postagens, , através das famosas mídias sociais digitais, o que provavelmente trará alguma compensação ao engessamento de suas forças militantes, (como uma espécie de alento e grito de socorro), mas que jamais poderão substituir os eventos anteriores, que, a depender das conjunturas políticas, eram grandes e outras vezes reduzidos, mas sempre se apresentavam nesta data como portadores de um histórico brado reivindicatório, opositor, libertário e sobretudo a renovada declaração de acreditar coletivamente em um futuro melhor, de justiça e liberdade.

Aqui no Brasil, além das conseqüências da crescente contaminação pelo COVID-19, este primeiro de maio do ano de 2020 ocorre em uma situação não somente de infecção biológica, mas também sob um outro tipo de ataque, para além das células humanas, porquanto dirigido deliberadamente – e covardemente – contra os direitos dos trabalhadores submetidos á pandemia. Trata-se do “ “vírus da destruição do Direito do Trabalho”, que teve inicio, no passado mais recente, pela reforma trabalhista imposta pelo Governo Temer, através da aprovação pelo Congresso da Lei 13.467/2017, que instituiu a primazia do negociado sobre o legislado na legislação trabalhista brasileira, seguidas pelas “mini-reformas” contidas na MP 881, a chamada “MP da liberdade econômica”, de reflexos também trabalhistas, proposta pelo do Governo de extrema-direita de Bolsonaro, possibilitando que, por meio de acordos individuais escritos, possam as empresas com mais de 20 funcionários deixar de registrar ponto de entrada e saída. E que recentemente quase aprovou sua MP da “  verde e amarela”, que, na prática, legaliza uma forma de segregação salarial e funcional entre os trabalhadores, viabilizando a super-exploração de jovens, em vagas de até R$ 1.567,50, com remunerações inferiores, sem contribuição para o INSS e por dois anos e redução da multa do FGTS para 20%, dentre outras medidas reducionistas de direitos.

Sucede que esta “contaminação trabalhista”, que metaforicamente no mundo assume características de uma “pandemia”, sendo na América Latina e Europa implementas medidas semelhantes, vem utilizando exatamente o período de correta e necessária orientação da OMS em prol do isolamento social, para que, valendo-se de tal isolamento e fragilização da classe trabalhadora, imponha novas medidas de redução e flexibilização de seus direitos, de modo que não é exagero dizer que a classe trabalhadora é vitimada duplamente, pelo aspecto do risco biológico e, concomitantemente, o retrocesso trabalhista e de maneira geral em seus direitos sociais, incluído nestes o aumento da idade para aposentadoria. E isto sem esquecer os servidores públicos que já haviam perdido o direito a integralidade da remuneração quando da aposentadoria e agora são ameaçados de uma nova reforma a fim de reduzir seus vencimentos e lhes subtrair a estabilidade.

Mas não é só. Feito este breve resumo do que denominei ilustrativamente de “contaminação trabalhista”, um fato que, por muito grave e significativo, não pode deixar de ser destacado, como talvez o vírus de maior poder destruidor, que foi o entendimento contido no recente julgamento pelo STF da MP 936, que, em seu conteúdo, excluiu os sindicatos das negociações coletivas de acordos referentes a redução de salários e suspensão de contratos durante a pandemia, conforme proposto por esta MP e finalmente julgada através da Adin 6.363, no último dia 17 de abril, em clima de grande expectativa dos empresários e trabalhadores sobre qual seria, afinal, a decisão prevalecente na mais alta Instancia judiciária brasileira, o STF, ou a nossa “Suprema Corte”, para os que gostam de fazer paralelos com o Supremo estadunidense.

A decisão de afastar sindicatos das tratativas do recebimento dos benefícios emergenciais aprovados pelo Congresso e convertidos em Medida Provisória, notadamente a questão da redução salarial de 25%,, bem como afastamento total do trabalho, mediante pagamento mensal apenas de parcela do salário-desemprego(não de sua remuneração anterior) consiste, em si, em uma evidente subtração salarial proibida pelo Art. 7, VI, Da Constituição Federal e somente excepcionada através da negociação coletiva. Ressalte-se que nenhuma dúvida poderia advir de sua aplicação, senão indagar se houve, ou não, acordo ou convenção coletiva com o sindicato e, caso haja a recusa deste, a admissão de uma comissão de empregados, conforme prevê a CLT. Enfim,nenhum tratado jurídico-doutrinário careceria a esta altura de ser escrito para nortear a interpretação e aplicação prática de uma norma constitucional tão clara e objetiva vigente desde 1988!

Sucede que o STF deliberou, por 7 votos a 3, contra o voto inclusive do Relator da matéria, que propunha a possibilidade do sindicato pudesse posteriormente referendar, ou não, os acordos individuais, após arquivados na entidade, o que, embora mais brando, acabava também viabilizando que fossem impostos pelo empregador os referidos acordos individuais, pois, – ninguém pode se iludir-, não existe a propalada livre negociação entre o empregado e o empregador, no plano individual, mas tão somente a imposição da vontade patronal, especialmente quando o empregado se encontra ainda mais dependente financeiramente e até debilitado emocionalmente, ante o risco de contrair o COVID-19. Simples e cruel assim!

Pois bem, caminhando para o final deste texto, a mencionada decisão da maioria do STF, ainda que restrita ao período de pandemia, tem, infelizmente alcance jurídico-sindical muito mais amplo, pois além de representar um cerceamento de direito sindical expressamente constitucionalizado no Brasil, ao contrário de outros países que não possuem tal preceito, um enfraquecimento de uma prerrogativa que, mesmo após a pandemia, poderá ser utilizada como parâmetro pelos empresários, ávidos como sempre foram de afastar os sindicatos de outras tratativas coletivas, como PLR, banco de horas, discussão de jornadas, turnos, férias, cooperativas de trabalho (“cooperfraude”) ainda que hajam leis que assegurem, parcialmente, a participação sindical nestas discussões, pois a conseqüência será que uma vez o STF tendo flexibilizado tal norma, veremos ainda mais a proliferação do discurso reducionista de direitos, sob o argumento do negociado (individualmente) sobre o legislado, que infelizmente consiste na mensagem principal deste julgamento.

Para os que pensam que estou sendo muito pessimista, ou desprezando a força da legislação proteção ao trabalhador ainda escassamente remanescente, relembro que mesmo antes da reforma trabalhista de Temer, o próprio TST já dava sinais de afrouxamento de preceitos como na aplicação dos turnos ininterruptos de 6 horas, também previsto constitucionalmente, aceitando exceções á regra, apesar de conter direito indisponível em favor da saúde do trabalhador, cuja legislação é federal. E acrescento que até acordos individuais de redução de adicionais de insalubridade já eram detectados serem discutidos no judiciário, antes da reforma trabalhista, o que indica que a utilização da negociação simplesmente para fins de redução de direitos vem de muito antes de Temer, Bolsonaro e da atual composição do STF.

Finalmente, (sem antes deixar de registrar minha homenagem aos profissionais de saúde que estão na linha de frente contra o coronavírus), concluo dizendo que, apesar destas derrotas, neste contexto de um governo autoritário e com confessas pretensões ditatoriais, faz-se necessário que os Atos de 1 de Maio deste ano, além de refletirem a necessidade de mudança deste governo anti-trabalhador, possam também refletir sobre os desafios que estarão colocados para o sindicalismo no pós-pandemia, nas próximas décadas, a par das alterações ocorridas até o presente momento na legislação trabalhista, sendo que, dentre todas, o cerceamento da atuação sindical é para mim a mais grave e perversa, pois, sem sindicatos e organização da classe trabalhadora, não haverão condições de reaver todos estes direitos que estão sendo subtraídos por esta “pandemia de destruição de direitos sociais e humanos” que também temos, assim como o COVID-19, que combater a fim de que não sigamos para a barbárie.


ADERSON BUSSINGER – Advogado sindical, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, conselheiro da OAB-RJ, membro efetivo da CDH, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, integra a Comissão Nacional eleita de Interlocutores do Fórum Nacional em Defesa da Anistia Constitucional.