Por Lincoln Penna

Os partidários da economia capitalista costumam considerar que há uma relação indissolúvel do capitalismo com as liberdades.

Daí, eles passarem a induzir o incauto e eventual interlocutor sobre a necessária representação do poder político sob a forma de uma sociedade política (Estado) liberal. E, portanto, democrática, segundo a ótica de seus ideólogos.

Trata-se de uma interpretação ou discurso que não tem amparo na realidade, pois as rendas obtidas pelo fluxo das atividades econômicas, no âmbito desse sistema, advêm cada vez mais da reprodução do capital pela mera circulação financeira. O trabalho assegura na base das atividades produtivas essa concentração, mas vêm ao longo desses últimos tempos tendo uma participação menor na produção da renda, em razão da substituição gradual da atividade industrial pela neoliberal ou financeira.

Esse processo de mudança operacional do modo de produção e reprodução do capitalismo, reduzindo o papel da força de trabalho como fator propulsor da produção capitalista, embora ela permaneça fundamental, acontece por força de progressivas restrições à partilha de bens derivados da produção. Logo, em nada tem a ver com uma forma liberal, posto que de liberal não tem nada. Ao contrário, usa-se essa categoria para servir de oposição a economias estatizantes ou supostamente comunistas.

A etapa do chamado capitalismo do bem-estar social, quando os sindicatos buscavam reduzir a taxa de exploração dos assalariados, nos tempos da social democracia acabou. Mais do que nunca não interessa aos gestores do capital assegurarem os parcos rendimentos resultantes da produção e tampouco manter as conquistas trabalhistas dos tempos das negociações com o patronato.

Nesse recente contexto sob a lógica neoliberal, irromperam as tendências correspondentes no campo político. Surgiu a chamada “onda conservadora”, assim batizada originalmente, que deu lugar a governos de ultra direita em vários países, tanto desenvolvidos quanto os emergentes. De comum o fato de adotarem uma combinação aparentemente esdrúxula, mas verdadeiramente compatível com o novo estágio capitalista, isto é, a máxima centralidade nas decisões políticas com um falso liberalismo sem regras e desprovido de barreiras de qualquer espécie.

Nas sociedades políticas emergentes, o principal efeito se dá com a implantação de políticas privatizantes, a atropelar ativos nacionais muitos deles símbolos de conquistas da própria soberania desses países, como é o caso no Brasil da Petrobras, a figurar na pauta dessa política.

Na esfera das atividades políticas, ocorre algo que merece atenção, porque vem ao encontro desse movimento de desapego aos valores nacionais e de compromissos fundados em princípios vinculados à soberania, que sempre marcaram a ação política das agremiações partidárias de cunho ideologicamente trabalhistas e ou socialistas. Trata-se da descaracterização dos partidos políticos, cada vez mais dissociados de seus vínculos com a sociedade civil.

O que resulta em ficarem mais próximos da sociedade política, ou seja, do Estado, mediante atrativos que os fazem descolar das reivindicações da base dessa sociedade.

Ainda tomando o Brasil como referência, essa nova situação acontece com o atrativo do fundo partidário, que vem descaracterizando os fundamentos ideológicos dos partidos, principalmente, os de origem ou compromissos com os trabalhadores. Mas, essa é uma das razões.

Distantes dos compromissos que lhes deram origem, esses partidos tornaram-se na verdade mais legendas a congregar quadros sem maiores filiações com os seus ideais doutrinários, e se afundam em debates nos parlamentos que dizem respeito aos interesses funcionais do Estado enquanto gestor de si próprio. As políticas públicas sofrem com cortes sistemáticos de modo a reafirmar a pauta que preside os interesses das forças do mercado, que além de grande protagonista do neoliberalismo é o provedor da representação parlamentar, sustentáculo de enormes bancadas.

Cabe diante desse cenário totalmente adverso para as grandes massas trabalhadoras e desassistidas, dessas sociedades mais fragilizadas pela ação do neoliberalismo, começar a pensar em alternativas que altere tal realidade. Não é o caso de se pensar na volta das experiências socialistas do passado. Essas experiências foram em seu tempo importantes, mas hoje é preciso que se repense o socialismo como alternativa viável. Sua história foi cumprida, porém não deve ser eternizada, senão como memória das classes populares, cujas conquistas, estas sim, se eternizarão.

Algumas coisas precisam ser pontuadas. A contradição entre capital e trabalho é um fato histórico universal. Ela assumiu e assume formas e modalidades diversas ao longo do tempo. Suprimir essa relação conflituosa só com a eliminação de uma das representações não parece ser exeqüível a primeira vista. Mas, como o trabalho, já dizia Engels, criou o homem e assim será indefinidamente, resta então eliminar-se o capital enquanto instrumento de segregação e exploração do trabalho. Não é fácil essa operação de desmonte do capital sem sua socialização tal como nós o entendemos, mas é possível se houver a grande revolução a ser construída no campo das ideias. Neste caso, é preciso que nos convençamos ser plausível viver sem que uma classe tenha o poder de se apropriar e subjugar as demais.

Não basta tomar de assalto o poder de Estado e modificar seu uso para atender as grandes massas da população. O próprio controle desse mecanismo acaba por engendrar uma burocracia que tende a reproduzir as classes dominantes de então, detentoras dessa faculdade de gerir a produção de todos.

O novo engenho socialista permanece aberto a que se dê margem à criatividade fundada no interesse do ser humano, posto que após a transição do capitalismo para esse novo socialismo certamente deverá se apagar os vestígios do velho modo de produção.

Haja poder de criação para que as próximas gerações construam esse novo arquétipo de sociedade capaz de fundar o reino da felicidade geral.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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