Por Pedro Augusto Pinho –
“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos que apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une”. Milton Santos, geógrafo e pensador brasileiro (03/05/1926-24/06/2001)
No primeiro domingo de outubro, dia 3, após um dia de manifestações, por todo País, contra o governo neoliberal e financista de Jair Bolsonaro, além de críticas às qualidades pessoais deste governante, o jornal O Estado de S. Paulo, em sua página Notas & Informações (A3), denominação que usa para seus editoriais, nos brinda com um espetáculo da pedagogia colonial.
Como nossos leitores sabem muito bem, a pedagogia colonial é o modo de os poderes incutirem em suas almas – em seu modo de pensar, na interpretação que dão às informações e notas recebidas, enfim tudo que eles lhes cheguem aos sentidos como sensações e conhecimentos – a dócil submissão às mais estranhas, e até contra seus próprios interesses, vontades do poder. E, melhor do que tudo, pensem como eles, assumam como seus os desejos deles, mesmo para vocês inalcançáveis, o que economiza para o poder as ações repressivas e o desgaste dos assassinatos físicos e morais.
Porém o poder nem é único nem indivisível. Ele se articula com outras forças, igualmente dominadoras, até se sentir capaz de as suprimir. Vejam um claríssimo exemplo, o que ocorreu no século passado e vivenciado, talvez até sem consciência, por muitos leitores.
Brevemente. O século XX tem início com o poder financeiro, que se constituiu na Inglaterra e a dominou, com sua aristocracia, desde o século XIV, agora em queda. Perdendo para as forças da industrialização que a Inglaterra soubera sufocar em casa, mais que tomaram o poder em sua ex-colônia do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos da América (EUA), nos recém-formados Império Germânico e Reino da Itália, na França, que oscilava entre Império e República desde o século XIX, no expansionista Império Japonês e em outros países.
A História do Século XX será sobretudo a da luta pela reconquista do poder pelas finanças, contra a industrialização, o que a levará de volta ao poder cavalgando a ideologia neoliberal, uma das suas falácias, que subvencionara o desenvolvimento acadêmico e a valorização. Mas, para grande parte das pessoas, foi o século da guerra fria, do capitalismo contra o comunismo, mesmo este sendo um modelo de desenvolvimento industrial, diferenciado então na distribuição dos resultados. Esta batalha surda, no subsolo, não interessou a qualquer contendor trazer a luz.
Voltemos ao Estadão e seus editoriais.
Representando interesses que não são muito diversos do governo Bolsonaro, o jornalão paulistano se limita a críticas pontuais, do estilo inculto, das manifestações totalitárias e das corrupções que explodem neste governo e na família do seu presidente.
O texto de “Agressividade à esquerda” chega a ser cômico, quando defende a porta voz do megaespeculador George Soros e ataca países estrangeiros por “violações dos direitos humanos”, que, no entanto, ocorrem em alguns dos participantes da Cúpula do Clima da ONU (COP26), evento queridinho das finanças apátridas, também objeto de editorial (Empresários pelo clima).
Onde a questão climática interessa aos neoliberais financistas? Na manutenção da industrialização na defensiva, na redução de seu poder, para que não haja uma reversão, como a que as finanças provocaram ao combater os efeitos dos “trinta anos gloriosos” do desenvolvimento industrial ocidental (1945-1975).
Pois, para a humanidade, as finanças desejam a morte. A concentração de renda do financismo neoliberal é incompatível com o crescimento demográfico, bem ao contrário, impõem-nos crises, guerras e pandemias, como as vemos desde 1990, quando o sistema financeiro internacional tomou o poder.
Outra amostra da pedagogia colonial vem do editorial sobre a educação (!): “A pandemia e as prioridades na educação”.
Transcreveremos textos deste editorial para os comentários.
O editorial se desenvolve em torno de um evento promovido pelo Estadão, entre 15 e 17 de setembro: “Summit Educação Brasil 2021”. Nem se fale do anglicismo, já colonizador, mas “cúpula” de que? Ou de quem? Os “pedagogos”, os “gestores escolares” representavam correntes de pensamento? Localizações geográficas ou culturais distintas? Ou, apenas, propagadores do “pensamento único”, como se viu nos governos paulistas e nacionais dos anos 1990?
“Os temas mais discutidos foram os problemas relativos ao atraso escolar dos alunos das escolas públicas e ao aumento do índice de evasão escolar”. Permitam-me discordar veementemente desta pedagogia colonial que procura demonstrar que o Estado e os que usam seus recursos, os mais pobres, são incapazes, deficientes de algum modo. Mas não é o que se verifica. São alunos de escolas públicas e do nordeste brasileiro, que se destacam em certames internacionais.
É um estado pobre do nordeste que paga o melhor salário para o professor de escola pública no Brasil; superando o rico paulista. Também o editorial não menciona que pesquisas foram as utilizadas e quem as encomendou. Muito suspeitas, portanto, estas conclusões.
Vamos prosseguir na pedagogia colonial do Estadão. “Os alunos da rede pública brasileira de ensino fundamental e médio terão diploma, mas não conhecimento sistematizado”. Isso é conclusão científica ou praga lançada aos mais pobres? Não, caros leitores, é uma preocupação financeira, nem poderia dizer empresarial, conforme se lê, na continuidade: “Não só tornará mais lenta a retomada do crescimento, como também poderá comprometer a produtividade da economia” (!).
Nas acusações – e nem de longe estou defendendo a opção pelo mercado e pelo neoliberalismo de Bolsonaro ou qualquer outro antinacional político – lê-se: “o governo Bolsonaro em momento algum se dispôs a assumir essa tarefa. Pelo contrário, ele não apenas se omitiu, como também adotou medidas que estão desmontando o que foi erguido com base nas políticas educacionais das últimas três décadas”. Certamente o Partido dos Trabalhadores (PT) que governou cerca da metade deste período agradece o reconhecimento do Estadão.
Mas o jornal que se caracterizou pelo conservadorismo político e pelo liberalismo econômico precisa se acertar internamente: é para se ter intervenção ou omissão do Estado. Só quando for para transferir a metade das arrecadações tributárias para os bancos o Estado deve agir?
E neste caso Bolsonaro omisso está fazendo seu papel no Estado Mínimo propagandeado por Fernando Henrique Cardoso, que para isso o demoliu o quanto pode!
PEDRO AUGUSTO PINHO é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), avô e administrador aposentado.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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