Por Felipe Maruf

Os liberais, ao privatizarem praticamente todas as empresas e serviços públicos, como já é realidade no Brasil, fazem com que o Estado se torne justamente “o mais frio dos monstros” que eles o acusavam de sê-lo: nada mais do que um cobrador implacável de impostos da classe média, cada vez mais aviltada, e um regulador absolutista de costumes e práticas cotidianas.

O Estado, então, torna-se mínimo ou nulo para planejar e regular os setores vitais do país de acordo com o interesse nacional, entregando-os, por meio de privatizações diretas e indiretas, à ambição desenfreada de corporações especulativas privadas.

Em vez da prometida “abertura da concorrência”, na verdade as privatizações a fecham, pois, sendo uma das funções de uma indústria ou serviço estatal concorrer com o cartel privado e servir de parâmetro geral de preço e qualidade, empurrando para baixo os preços do setor privado e forçando a melhoria da qualidade dele, no momento em que se entrega o serviço estatal para esse cartel privado, ele fica livre para determinar o preço que quiser e nas condições que quiser, criando um monopólio de fato às custas da sociedade. A privatização da siderurgia, da telefonia, da eletricidade e da petroquímica atesta isso, e não será diferente no caso dos Correios.

Por outro lado, o Estado torna-se máximo, e cada vez maior, para arbitrar aspectos comezinhos da vida segundo diretrizes estabelecidas por essas mesmas corporações, ao preço de impostos extorsivos para manter uma máquina jurídico-administrativa cada vez mais disfuncional. Passa, então, a impor “novas normalidades”, envolvendo crescentemente a esfera privada e cotidiana nas malhas jurídicas.

Curiosamente, esse Estado, que deixa de ser nacional para se tornar instrumento de proteção jurídica e de engenharia social a serviço das corporações especulativas privadas, assemelha-se bastante ao que o filósofo francês Montesquieu (1689-1755), tomando como referência o Império Turco-Otomano, consagrou na tradição política ocidental como despotismo: a combinação do laissez-faire comercial e financeiro com o intervencionismo autocrático e discricionário sobre a vida das pessoas, instituindo o medo como princípio social e nivelando todos na condição da mais absoluta subjugação.

Só que os sultões contemporâneos não são os chefes governamentais – que se tornam, no máximo, gerentes locais – mas a plutocracia financista congregada em instituições como FMI, Banco Mundial, Clube de Bilderberg, Fórum Econômico Mundial etc.

Gente que, assim como os sultões, mandam muito, mas menos do que pensam, pois, em razão do gigantesco poder que concentram, suas ideias deixam de corresponder aos fatos, ocasionando sua derrota e a ascensão de oligarquias mais realistas e dispostas, pelo menos por algum momento, a negociar melhores termos com os países e as sociedades em troca de apoio e obediência.

FELIPE MARUF QUINTAS é doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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