Por Pedro Augusto Pinho 

Servir à francesa, seguir determinada sequência de pratos das entradas às sobremesas, mostra o requinte francês do século XIX? Qual o quê! Foi o modo russo, “le service à la russe”, que o mais famoso artista da culinária, Antonin Carême (1784-1833), introduziu para os famosos jantares que preparava para os aristocratas e milionários de sua época. “Service à la française” era dispor ao mesmo tempo todos os pratos, como “buffet”, isto é, a comida pronta a ser consumida, em qualquer ordem, em mesa de grandes dimensões.

Neste momento que o ocidente atribui suas mazelas à Rússia, as narrativas de Ian Kelly (“Carême, cozinheiro dos reis”, tradução de “Cooking for Kings, The life of Antonin Carême, the first celebrity Chef”, por Marina Slade Oliveira, para Jorge Zahar Editor, RJ, 2005) podem ser entendidas como mais um capítulo da pedagogia colonial, a doutrinação que hoje nos é imposta pelo poder financeiro do Atlântico Norte.

A pedagogia colonial se adapta ao poder de cada época e de cada lugar. Já foi o poder divino dos reis, a arca de Noé, os terroristas orientais, chineses e japoneses, sempre uma compreensão mistificada, que nos envolve o poder, para que não possamos entender o que efetivamente ocorre ou ter percepção até absurda da realidade, como dar naturalidade o pagar em dinheiro pela compra de imóvel de milhões de reais.

O grande assassino, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos da América (EUA), provecto Henry Kissinger, vendo ruir o poder de seu Clube Bilderberg (ler Daniel Estulin, “A Verdadeira História do Clube Bilderberg”, Planeta, 2006) e emergirem as potências euroasiáticas, imputa à falta de líderes as recentes derrotas ocidentais (Wall Street Journal, 14/08/2022).

Na verdade, todos estes eventos, desde o primeiro quartel do século XX até hoje, se dão na sequência da consolidada liderança industrial estadunidense, pela disputa por petróleo, principal energia primária da industrialização no modelo dos EUA, e das transformações na tecnologia da informação.

No exemplar comemorativo dos 60 anos da “BP Statistical Review of World Energy” 1951–2011, há dois capítulos, “The impact of 1973” e “A lesson in numbers”, onde se lê:

“Como muitos aumentos do preço do petróleo, a crise de 1973 foi principalmente rebaixado às tensões políticas e à Guerra Árabe-Israelense. A Revisão, no entanto, aponta fatores adicionais. De fato, diante do aumento da demanda por petróleo e da desaceleração da produção nos EUA, o presidente Nixon havia levantado restrições à importação de petróleo do Oriente Médio, e uma escassez de petroleiros desenvolveu-se rapidamente à medida que o petróleo bruto fluiu para o oeste. Em pouco tempo, o custo de envio de um barril de petróleo foi mais do que o preço postado do petróleo. Desde o início, esta Review tinha se obcecado com a frota de petroleiros, listando-os por bandeira, por tamanho, por idade e por propriedade. No início da década de 1960, calculou-se a disponibilidade. Na época, a própria BP tinha frota substancial. Mas, se a crise de 1973 foi agravada pela escassez de navios, qualquer um que se importasse em olhar para os números no Review iria perceber que isso não ia durar. A Review listou a frota existente, no valor de 220 milhões de toneladas de porte bruto (dwt), e também observou que a quantidade sob encomenda ascendia a 197,6 milhões de dwt. Assim, a frota iria praticamente dobrar em mais ou menos uma década e o mercado acusou devidamente. De acordo com a Scanlan, os proprietários acabaram praticamente implorando por cargas no início da década de 1980 e a Review deixou de cobrir esta questão. Mas 1973 também mudou a percepção de si mesmo da própria indústria petrolífera. Se os países da OPEP dominam a produção, as companhias petrolíferas internacionais diversificaram geograficamente e começaram a se interessar pelas fontes alternativas de energia. E para diversificar, precisavam de dados muito mais detalhados sobre outros combustíveis, bem como onde encontrá-los”.

“As novas informações para o setor de energia foram inicialmente obtidas sobre o fornecimento de gás, carvão, energia nuclear e estatísticas sobre “energia hídrica”. Por exemplo, entre 1968 e 1978, o consumo de gás natural da Europa Ocidental cresceu 16,4% ao ano. No mesmo período e até o acidente na usina nuclear de Three Mile Island (Pensilvânia), em 1979, a energia nuclear nos EUA havia se expandido 22 vezes. Globalmente, a demanda de energia primária estava aumentando quase 4% ao ano. O uso de milhões de barris de óleo equivalente (boe) para carvão, gás e até mesmo nuclear se encaixavam na mentalidade petrolífera dos compiladores, e começou a se tornar possível fazer comparações diretas. Metros cúbicos e quilowatts horas teriam que esperar. Talvez o maior indicador para o futuro fosse o gráfico das reservas de gás versus petróleo. Um gráfico de pizza tornou óbvio que, se a OPEP tinha cerca de dois terços do petróleo, a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) estava sentada em um terço do gás do mundo. No entanto, o petróleo não foi negligenciado. Talvez o número mais surpreendente parecesse sugerir à Anglo-Iranian Oil Company (AIOC) que a história se repetia. Com o Irã na turbulência da revolução, sua produção de petróleo entrou em colapso de 260,4 milhões de toneladas (5,2 Mb/d) em 1978 para 155,6 milhões (3,1Mb/d) no ano seguinte, uma queda de 40,2%. Isso criou o segundo choque global de preços e outra explosão de inflação para seguir a de 1973. Na frente de exploração, os compiladores tentaram analisar a produtividade de poços individuais, em 1979, e isso destacou diferença surpreendente, com mais de 500.000 poços, os EUA estavam obtendo a média de 20 barris por dia de cada. Em contrapartida, a saída de um poço médio no Oriente Médio foi de cerca de 5.500 barris por dia. E o gráfico sobre derivados de petróleo mostrou que a Europa Ocidental e o Japão estavam usando cada vez menos óleo combustível para a produção de eletricidade, o decréscimo líquido entre 1973 e 1979 foi de cerca de 50 milhões de toneladas. A lição para os refinadores foi que a demanda estava se movendo em favor do barril mais leve e algo teria que ser feito para encontrar uso para as frações mais pesadas. Como sempre, os números contaram a história. O impacto da revolução iraniana na economia global foi claro. E estatísticas sobre produtividade e deslocamento de poços padrões de demanda de derivados de petróleo apontaram a necessidade de tecnologia melhorada, nomeadamente mais perfuração horizontal, recuperação aprimorada e maior sofisticação da refinaria” (trechos da tradução livre dos tópicos: “O impacto de 1973” e “Uma lição em números”).

A British Petroleum – BP, editora da Revista da qual transcrevemos os trechos traduzidos, foi fundada em 1909 com o nome Anglo-Persian Oil Company, com sede em Londres, para explorar o petróleo da Pérsia, que a partir de 1935 foi denominado Irã. BP compôs o cartel das Sete Irmãs, que por cerca de quatro décadas dominou a política de petróleo no mundo.

Atualmente a BP PLC é empresa integrada de petróleo, atuando também na área de petroquímica e lubrificantes, sendo seus maiores acionistas (30/06/2021) as gestoras de ativos estadunidenses: State Street Corporation, BlackRock, Inc, Dimensional Fund Advisors, Inc, Fisher Investments, e a seguradora israelense Menora Mivtachim Holdings Ltd.

Faltam líderes ou as finanças estarão perdendo o controle do mundo?

O Editorial da publicação “Solidariedade Ibero-Americana”, MSIA, n.03, agosto/2022, vol. XXIX, trata de “O “fracasso” das sanções”. E se lê: “a elevação dos preços da energia e dos alimentos está provocando o efeito de um novo choque do petróleo ampliado, que está sugando os recursos econômicos dos setores produtivos e das famílias em toda parte, para sustentar o sistema financeiro do eixo Wall Street-City de Londres”.

Síntese perfeita. Despida da pedagogia colonial o que significam as provocações dos países dominados pelas finanças apátridas: EUA e Reino Unido a frente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e outras colônias das finanças. O temor da emergência euroasiática, tendo a frente a Federação Russa e a República Popular da China, acrescidas, com mesma autonomia, da Índia, do Irã, da Argentina, Síria e de outros países que, afastados da dominação das finanças, estas os denominam ditaduras.

O Editorial do MSIA centra sua argumentação nas finanças. A imensa bolha que desde 1990 vem sendo construída pelas desregulações (década 1980), pela imposição do “Consenso de Washington” (1989), que prossegue com as “crises” dos anos 1990, 2000 e 2008-2010, e “segundo o Instituto de Finanças Internacionais (IIF)”, tendo a dívida global chegado a US$ 305 trilhões, no primeiro trimestre de 2022. Ou seja, “350% do Produto Interno Bruto (PIB) Mundial”. E, ainda mais grave, dívida formada quase inteiramente de papéis sem lastro, como reportam artigos de centros de análises (“think tank”) do porte do Instituto Schiller.

O petróleo é a energia que move o mundo, malgrado toda campanha pelas energias potencialmente renováveis. É a própria BP Statistical Review of World Energy, 71ª edição, 2022, que nos informa: em 2021, o petróleo, na forma líquida e de gás, representou 55% do consumo de energia primária do mundo, somando o carvão, outra energia fóssil, 27%, representaram 82% do consumo mundial, enquanto as renováveis ficavam com 7%.

Seria crível imaginar que o energívero mundo ocidental, países de intenso consumo de energia como os da Europa, das Américas, e seus associados asiáticos e do Pacífico: Japão, Coreia do Sul, Singapura, Austrália, Nova Zelândia, Taiwan, consumidores de 50% da energia produzida, pudessem dispensar seu controle, principalmente da energia fóssil? Porém, excluída a população da África de pouco mais de um bilhão de pessoas, é na Ásia com a Federação Russa, exceto os ocidentalizados citados, que se encontram 4.100 milhões de habitantes, ou seja, 51% da população humana.

Recentemente a Federação Russa aboliu a entrada sem visto dos cidadãos japoneses às Ilhas Curilas, em resposta ao apoio japonês às sanções ocidentais. As Ilhas Curilas são 56 ilhas, um arquipélago vulcânico, que se estende entre a península de Kamchatka, no extremo oriental da Rússia, até à ilha Hokkaido, a mais setentrional das ilhas do Japão.

O choque entre o mundo do financismo e concentração unipolar e da produção e desenvolvimento multipolar parece inevitável. E serão o petróleo e as narrativas que irão, com as armas e diplomacia, conduzir.

O Brasil precisa ter consciência de sua riqueza energética e do valor de suas reservas de petróleo e saber ler as mensagens enganosas da pedagogia colonial para adotar a postura nacionalista e trabalhista que já elevou nosso padrão de bem estar e conquistou os melhores momentos do País.

PEDRO AUGUSTO PINHO é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), avô e administrador aposentado, com 25 anos de trabalho na Petrobrás. Um cidadão nacionalista e patriota, diplomado e ex-professor na Escola Superior de Guerra.

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