Por Luiz Carlos Prestes Filho

A variação anual de temperatura no Planeta Vermelho chega a 100 graus centígrados. De acordo com o poeta, Luiz Roberto Nascimento Silva, esta é a variação de temperatura atualmente na cidade do Rio de Janeiro:

…vejo agora o Rio ferido –

não pelas flechas de São Sebastião,

conhecida imagem do tempo, esquecida ao relento

mas por algo mais grave, fundo, mais fétido,

terrível mistura de abandono e corrupção.

Acabou o Rio idílico de sua infância, este mergulhou no caos e, como Marte, a cidade está sendo varrida por tempestades terríveis, impossíveis de serem contidas. Claro, as tempestades do Rio são de caráter social, cultural e econômico.

Luiz Roberto e Antonio Cicero em 2019 na Livraria da Travessa, de Ipanema

O poeta indica a fonte primária de inspiração: “Rio 40 graus” (filme de Nelson Pereira dos Santos, produzido em 1955); e “Rio 40 graus” (livro de Fausto Fawcett, Fernanda Abreu e Laufer, publicado em 1992). Obras que, à luz da atualidade, não refletem o tempo que vivemos:

A cidade não é mais a mesma basta escutar

seus ruídos silêncios seus tiros estampidos

soltos no ar como uma noite festiva.

se você não quer ver, se não quer entender,

se você se recusa ouvir,

por favor não leia esse poema não;

pois ele falará sobre o que está nas ruas

e o que se passa no seu e no meu coração.

O poema é dividido em oito partes interdependentes: (1) Embarcando no metrô; (2) Divulgando a cidade; (3) O que ocorre em Copacabana; (4) Passando pela Rocinha; (5) Eu estava lá; (6) Eles não sabem ainda; (7) Ode à cidade; (8) Redescobrindo o Rio. Ao longo da obra verificamos uma grande unidade de imagens e de sensações. Mas não existe um rigor na metrificação e na rima. Apesar de, em certos momentos, o coração do leitor pulsar junto com as palavras sonoras:

Os chefes comandam de longe

ordens são executadas

com grande precisão

todas saídas de dentro da prisão.

A polícia só sabe depois

quando interceptam os celulares

repetindo de vários lugares:

“Os Caras de Bangu 3 falaram

mas vocês não escutaram,

quem folgar, vai rodar,

vão passar o cerol,

portanto deixa de besteirol.”

A não obediência rigorosa às rimas e/ou a uma estrutura literária rigorosa, transmite a ambiência do Rio de Janeiro que visitamos junto com o poeta, desde os corredores, escadas rolantes e vagões do metrô, até as alturas do Corcovado. São diversas as falas, cores, idiomas, belas paisagens, tragédias, alegrias, sufocos, sortes e indiferenças:

Descendo um rio não importa

em que país ou continente

como andando de metrô

sem ver a cidade aparente,

muda-se de geografia.

Aprende-se nessa viagem

como toda cidade distribui

sua população por classe e bairro

criando muitas vezes áreas vazias,

como os rios segregam pelo relevo

terras em diferentes bacias.

O multiestilismo poético da obra em pauta demonstra que Luiz Roberto Nascimento Silva é um artista plural. Seu texto, em 34 páginas, tem uma perspectiva hipertextual, com uma rede de conexões intensa que, aparentemente, são invisíveis. Ele transita entre a miséria e a riqueza, entre o belo e o feio, entre o erudito e o popular sempre com a mesma generosidade e atenção. Neste longo poema demonstra não desejar perder nenhum detalhe da cidade que, como o planeta Marte, tem hoje uma órbita levemente excêntrica, se comparada com as outras grandes metrópoles.

Serviço:

Luiz Roberto Nascimento Silva é autor de dez livros de ficção, a maioria de poesia, entre eles “Arco da manhã” (Massao Ohno, 1992); “A flauta vertebral” (1999); “Cidade de Deus”(Rocco, 2005); “Com suor na alma” (Topbooks, 2011); “A nova peste e outros ensaios” (Record, 2013); e “Sim” (Bem-te-vi, 2016).

Livro “Rio 80 graus”, autor Luiz Roberto Nascimento Silva Editora 7 LETRAS – www.7letras.com.br


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).