Por Ricardo Cravo Albin

“Algumas pessoas nunca cometem o mesmo erro duas vezes. Descobrem sempre novos erros para cometer” (Mark Twain).

Refletindo sobre o caminho tortuoso na gestão da pandemia desde seu comecinho, um dos amigos (e interlocutores) que fiz quando trabalhava no BID em Washington me telefonou ontem um tanto aflito para perguntar de chofre- “O que há com o seu Presidente, que inventa uma tolice de ataque bacteriológico da China por traz da criação da pandemia? Isso já seria gravíssimo e sem pé nem cabeça, mesmo que vocês não tivessem, como agora, dependência completa dela por conta do insumo das vacinas, ao que sei vital para o Brasil não se afundar mais ainda na pandemia”. Logo eu, velho nacionalista que sempre detestei ouvir qualquer estrangeiro abrir o bico para criticar o meu país. Resolvi sair por uma quase paráfrase do absurdo inventado por Bolsonaro: “Olha, isso é uma jogada política, muito infantilizada eu acho, para tirar os holofotes da CPI, além de alimentar uma ala de exóticos seguidores que eles chamam de “ideológica”. Que ninguém sabe bem o que seja, mas que tira da cartola absurdos ou teses ficcionais para lubrificar um capital político, que o eleitorado dele possa considerar como pepitas de ouro da extrema direita que Bolsonaro sonha construir e liderar”.

A conversa parou por aí, quando meu interlocutor retrucou com um quase palavrão e quis iniciar penoso diálogo que cortei pela raiz – “Alto lá, você sabe que eu sou direitista desde criancinha como toda minha família do Texas. Eu considero o que me diz um insulto à direita, uma traição aos líderes direitistas e todos nossos teóricos.”

Desliguei e resolvi nunca mais ficar a pressupor a formação ideológica bolsonarista, muito menos a justificar seus atos aparentemente ausentes de qualquer equilíbrio psiquiátrico. Então me dei conta de que meu querido professor da Faculdade Nacional de Direito Santiago Dantas chegou a nos confidenciar em aula que, no curto período como adepto do integralismo, teria guardado uma frase de Aldous Huxley, cuja síntese ensinava que a direita tem como primeiro dever vencer a esquerda. Com tudo o que pudesse, inclusive extermínio, armando-se uma teia em que seriam definidas mentiras cavilosas para pulverizar os inimigos, sem a pieguice de sentimentos éticos ou piedosos. Os comunistas, esses sim, os anticristos e o mal final a ser varrido. Santiago encerrou a citação com ironia- “Como podem avaliar, os extremos se tocam porque a síntese dos teóricos da extrema direita são as mesmíssimas, sem tirar nem pôr, dos teóricos da implantação da fé comunista”.

Voltando ao começo do texto e na sequência do aparentemente destrambelhado ataque presidencial à China, no mesmo dia tomamos conhecimento da suspenção da segunda dose por falta de imunizantes. – Como acabou tão rápido? E as carteiras de vacinação que os vacinados receberam para voltar tantos dias depois ao mesmo lugar para receber a essencial segunda dose?

Aí nos esclareceram o inexplicável: o General Pazuello teria ordenado que se usasse todo o estoque para a primeira dose, de modo a acelerar o ritmo da campanha. Resultado: com todos os desencontros diplomáticos e a insatisfação do fornecedor chinês, o insumo das vacinas estaria suspenso, ao menos o da Coronavac (que responde por 70% do total).

Em fevereiro o plácido Ministro tinha dito aos prefeitos que não era necessário reservar vacinas para a segunda dose. Duas semanas depois o Ministério da Saúde informou o contrário. Nos últimos dias como Ministro, Pazuello mudou mais uma vez de ideia, orientando os municípios a não fazer reserva. A seguir, já na gestão Queiroga, o governo impôs às Prefeituras que estocassem vacinas para a segunda dose.

Com 15% dos vacinados em três meses, o Brasil está a pagar o preço de não ter comprado vacinas quando deveria, no ano passado. Tendo dinheiro e ostentado ser a sétima economia do planeta, além de integrante do cobiçado grupo dos BRICS, que inclui a China, a Rússia e a Índia, precisamente os maiores produtores tanto da vacina quanto de seus insumos. O fato de ter feito apostas equivocadas causando desespero aos grupos de risco, em especial aos idosos, já significa, além de tudo, gravíssimo ônus psicológico para os mais velhos. Resta-nos torcer para a CPI averiguar esse acúmulo de erros. Sinceramente não poderia acreditar que esses desencontros sistemáticos possam ser um plano mirabolante de extrema direita. É incompetência das grandes, isso sim.

Mas os culpados têm que aparecer na CPI. O que a cidadania ultrajada espera de mãos postas.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.