Por Luiz Carlos Prestes Filho –
A soprano Aline Talon, nunca se viu como cantora de ópera, não construiu um portfólio voltado para a ópera, sua paixão sempre foi a música de câmara, em especial a brasileira. Durante a sua graduação na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) somente cantava algumas árias que eram previstas no histórico acadêmico. Por esta razão, ao ser aprovada para o curso de Pós-Graduação em Ópera e Estudos Músico-Teatrais da ESMAE, Portugal, ela reconhece: “É um desafio! Nunca imaginei sair do Brasil, mas sei que será um momento incrível de crescimento pessoal e profissional e tentarei absorver o máximo que puder desta experiência. Penso que todo artista que deseja antes de tudo adquirir conhecimento, se torna um grande artista.”
Com a crise da pandemia da Covid 19, Aline teve que adiar a imediata viagem para a Europa, por questões de segurança sanitária e por conta dos cancelamentos de voos entre o Brasil e Portugal. Aproveitou estruturou um projeto para viabilizar seus estudos:
“Através do Facebook, criei uma conta e pedi ajuda, dentro das possibilidades de todos, é claro, para poder realizar esse sonho de estudar na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, na cidade do Porto – Portugal (Esmae). Este Estúdio de Ópera conta com a colaboração da Associated Partner do ENOA, European Network of Opera Academies (EOA).”
Luiz Carlos Prestes Filho: Canto lírico e ópera, quais convergências e quais diferenças?
Aline Talon: Não há diferenças entre o canto lírico e a ópera, sem ele não há ópera, música sacra e música de câmara. Devemos pensar que o canto lírico exerce uma abrangência no meio erudito assim como o canto popular está para variados estilos. Talvez imaginar a voz como um instrumento flexível e hábil para diferentes técnicas seria mais apropriado para entendimento de quem não conhece a potencialidade de uma voz. A mesma que fala pode, em seus aspectos mais intrínsecos, cantar, gritar, clamar e silenciar em todos os níveis de potência humana não só artística como de expressão do Eu.
Prestes Filho: Com a formação acadêmica realizada, quais perspectivas profissionais se abriram para você no canto?
Aline Talon: Foram múltiplas… Trabalhar com músicos, que se tornaram amigos com quem posso ter o privilégio de conviver e crescer, maestros que cresci assistindo em vídeos e apresentações em canais de cultura me fizeram experimentar o poder da construção de uma carreira futuramente sólida, dinâmica e se assim posso dizer, coerente com o que me proponho a fazer como sentido de vida. A expressão artística, sem dúvidas, é uma boa perspectiva de vida. (risos)
Prestes Filho: O canto é valorizado pela indústria da música brasileira?
Aline Talon: Sim e não. Muitos cantores incríveis, que estudaram exaustivamente, não estão na mídia por não fazerem o que o mercado determina. Infelizmente não vejo muito a voz e a poesia sendo valorizados como deveriam, mas acredito no processo de reconstrução desse valor e sentido.
Atualmente, duas cantoras me inspiram profundamente, não só pela singularidade vocal, mas pela sinceridade com que fazem sua arte, que são a Lívia Nestrovski e Luisa Lacerda, duas artistas ímpares que fazem toda diferença na música brasileira.
Prestes Filho: Como surgiu o seu interesse pela ópera? Gênero que não tem grandes investimentos no Brasil.
Aline Talon: Sinceramente, penso que meu interesse vem surgindo à medida que tenho me colocado à disposição para ópera e tudo que ela traz. Gostar de ópera todo mundo pode gostar, mas se inteirar artisticamente do processo de construção de um período, sua história (e isso inclui história geral, momento político de uma época, movimento cultural e etc), descobrir parte de sua personalidade construindo um personagem é um processo que requer tempo, amadurecimento pessoal e profissional ao meu ver. Então parto deste processo onde, o que me vem como filosofia, crítica e beleza, me faz ter o interesse não só pela arte (e neste caso específico, a ópera) mas como tudo aquilo que me faz sair da zona de conforto. (risos)
Prestes Filho: A seleção de seu nome para o curso de Pós-Graduação em Ópera e Estudos Músico-Teatrais da ESMAE foi resultado natural da sua formação?
Aline Talon: Penso que sim. Sempre me propus a oferecer o melhor que tenho e posso artisticamente e isso vale para meu crescimento pessoal também. Acredito que sempre passamos por processos que, por mais que você não se sinta pronto o suficiente mas faz de forma sincera e dedicada, são uma grande oportunidade para avançar em qualquer aspecto que seja.
Prestes Filho: Quais são seus principais objetivos com este curso no Estúdio de Ópera da ESMAE?
Aline Talon: Ampliação de conhecimento é meu objetivo principal. Penso que todo artista que deseja antes de tudo adquirir conhecimento, se torna um grande artista. Especificidades sempre teremos à nossa disposição, mas conhecimento é algo que devemos querer, mesmo que isso nos faça sair da nossa “caixinha” interna, social e de “dilemas” entre ser e ter. O que vier após isso, sempre verei como um grande lucro.
Prestes Filho: Onde pretender aplicar os conhecimentos que serão adquiridos no Brasil? Será professora? Deseja montar óperas?
Aline Talon: Gosto muito de lecionar, então penso que em um futuro próximo posso também contribuir como professora além de cantora. Tenho uma grande vontade de fazer parte de uma produção operística, então espero que seja em breve também.
Prestes Filho: O que pensa sobre uma carreira internacional na Europa ou EUA?
Aline Talon: Penso que é um processo por vez. Primeiro penso em levar um pouco da cultura brasileira para o exterior e se através disso eu conseguir consolidar minha carreira como artista brasileira pelo mundo, será um objetivo alcançado, mesmo que no momento a carreira internacional ainda seja um pensamento um pouco distante.
Prestes Filho: Como se vê cruzando o Atlântico? Expandindo os conhecimentos?
Aline Talon: É um desafio para mim nunca imaginei sair do Brasil, mas sei que será um momento incrível de crescimento pessoal e profissional e tentarei absorver o máximo que puder desta experiência.
Prestes Filho: Cite as óperas de compositores brasileiros que gostaria de cantar. Quais são aquelas personagens que atraem a sua força inventiva?
Aline Talon: “Cartas Portuguesas” e “Domitila”, de João Guilherme Ripper, são grandes produções brasileiras que qualquer cantora gostaria de interpretar atualmente. Talvez as personagens sejam as que me fazem sair da minha zona de conforto como uma vilã, ou histérica (risos)…
Penso que toda força inventiva vem da capacidade que temos de absorver e observar, sentir e deixar fluir o que nos é apresentado, seja na arte ou no dia mais comum.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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