Por José Carlos de Assis –
Bolsonaro derrotou os caminhoneiros. E o pior é que, como mulher de malandro, eles gostam de apanhar. Por semanas, em conversas com suas lideranças, acreditei que tinham compreendido que a infame política de preços da Petrobrás não é uma política da empresa, mas uma política de Governo, articulada com interesses das petrolíferas estrangeiras e de acionistas externos. Descobri que o ódio infundado dos caminhoneiros ao PT cega inclusive seus interesses mais legítimos. Eles gostam mesmo é de Bolsonaro, sem condições.
Tentei explicar que não sou nem nunca fui do PT. Mas cometi, aos olhos deles, um tremendo pecado: critiquei Bolsonaro. Procurei fazer a exegese desse comportamento. Como homens adultos, sofredores, à beira da indigência, podem aceitar condições de vida quase miseráveis em troca de apoio a um trânsfuga capaz de manipular até mesmo o programa da covid em nome de um estúpido teto orçamentário?
Claro, os caminhoneiros não sabem o que é teto orçamentário. É evidente que Bolsonaro se aproveita disso.
Os caminhoneiros não sabem também o que é queimadas na Amazônia, não sabem o que é derrubada ilegal de madeiras, não sabem o que é manipulação política da Covid, não sabem o que é liquidação da política previdenciária, não sabem o que é a entrega das grandes estatais a estrangeiros, não sabem o que é venda fragmentada da Petrobrás na bacia das almas, não sabem quem são os vigaristas que derrubaram óleo na costa nordestina. Nada sabem. Mas sabem que Bolsonaro é o melhor presidente do mundo.
Tem, sim, uma ligeira desconfiança de que a política de combustíveis é ruim porque lhes é prejudicial. Não vão mais longe. Acham que, com pressão sobre Bolsonaro – se houver pressão real possível além da greve -, a Petrobrás muda o preço do diesel. Ingênuos. Se eles conhecessem melhor as engrenagens neoliberais, saberiam que isso jamais poderá acontecer, pois da famosa PPI-Paridade de Preços Internacional não é uma política interna, mas um acordo internacional sancionado pelo presidente da República.
Os caminhoneiros, se fossem melhor conscientizados por suas lideranças, esqueceriam Bolsonaro e se concentraram em seus interesses reais. Nessa condição, poderiam buscar construir uma estratégia de luta, que englobasse outras categorias profissionais. Infelizmente, isso parece estar longe. Errei em meus cálculos. Supus que o interesse real – a fome, a mulher com a panela vazia, o diesel nas alturas – eliminasse o interesse ideológico. Não. Bolsonaro construiu a mágica de ganhar simpatia através exclusivamente da destruição.
Minha experiência com os caminhoneiros tristemente derrotados não chega a ser uma decepção. Como intelectual, acredito na História. Progressivamente os interesses reais vão prevalecer entre eles. Descobrirão que essa estratégia de demanda a frio não levará a lugar algum.
Aos poucos, categorias profissionais mais conscientizadas, e sem o preconceito idiota em relação ao PT e à esquerda – aos quais, repito, não pertenço -, construirão suas estratégias de luta e conquistarão, inclusive para os caminhoneiros, o que eles merecem.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
MAZOLA
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