Por Kakay –
Carta aos brasileiros da USP é apartidária, mas é preciso ter clareza que derrotar o fascismo é derrotar o bolsonarismo.
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
– Fernando Pessoa, Tabacaria.
Escrevo do salão nobre da USP, onde é realizado o ato não partidário em defesa da democracia e da estabilidade democrática. É emocionante ver que a ideia de manter a democracia uniu o Brasil. Não existe outra hipótese senão conservar acesa a chama da estabilidade. Claro que, embora sem dizer, está no ar que estamos fazendo história; e a história exige que nós nos empenhemos contra o fascismo e contra este presidente que insiste em quebrar a normalidade democrática.
A manifestação convocada pela USP e por diversas entidades, inclusive pelo nosso Prerrô, conseguiu uma abrangência impressionante. O que nos conecta é, em grande parte, a certeza de que o país passa por uma definição entre barbárie e civilização. Não é esquerda e direita, é a sobrevivência de um Brasil que está no fundo do poço. Sem democracia existe um denso manto que nos rouba a voz, nos turva a visão e nos sufoca retirando o ar. É disso que trata esse ato que é realizado agora na USP.
Amparo-me em Rainer Maria Rilke:
“No entanto, há alguém
Que, com suaves mãos,
Todas as quedas detém.”
O que mais nos une é o risco da ruptura institucional. Se vivêssemos em tempos de normalidade, o natural seria cada um lutar tão somente pelas suas convicções. Em um país com democracia estabilizada, as divergências são mais do que salutares e não existe hipótese da sociedade se ver obrigada a se reunir em prol de uma ideia de manter a estabilidade democrática. O fascismo nos uniu.
É necessário que todos nós tenhamos a coragem de nos posicionarmos. Esse é o momento de estarmos juntos por uma mobilização em defesa da democracia. É preciso ter a certeza de que a estabilidade democrática está em risco. Uma parte considerável do Brasil flerta com a ruptura constitucional. E, o pior, apoia, seja de maneira velada ou ostensiva. Existe um país que desconheço: que ama a tortura, que faz apologia à violência, que detesta o negro e o pobre e que não se comove com 33 milhões de brasileiros que passam fome.
Enquanto escrevo, passam pela tribuna desse salão histórico as pessoas mais diversas. De empresários a representantes de movimentos populares, todos com um único discurso: a necessidade de manter a democracia. A ausência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil nos envergonha e nos constrange. O Brasil está aqui representado por todos que se empenham por um país com estabilidade democrática.
Compreender que estamos em permanente risco nos tirou do imobilismo. Sabemos que estamos no fundo do poço e que uma catástrofe moral nos assusta e nos sufoca. É impressionante notar que a desigualdade, a fome, o desemprego e os milhares de sem teto nas ruas, a carestia não conseguiram unir o Brasil.
Mas o perigo da ditadura e o medo da barbárie institucionalizada acordaram um país que insistia em dormir em berço esplêndido. A hora é essa e é necessário ter a clareza que, para afastar a instabilidade, é urgente derrotar o projeto bolsonarista em 2 de outubro.
A Carta é apartidária e é bom que seja assim. Mas cada um de nós tem que se posicionar. Derrotar o fascismo é derrotar Bolsonaro. E manter acesa a chama democrática, nesse momento histórico, é eleger Lula no 1º turno.
Novamente, recorro-me ao mestre Rainer Maria Rilke:
“Mas a escuridão tudo abriga,
figuras e chamas, animais e a mim,
e ela também retém
seres e poderes.
E pode ser uma força grande,
que perto de mim se expande.
Eu creio em noites”.
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros. Publicado inicialmente no Poder360.
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