Por José Macedo

Democracia e autoritarismo são duas palavras, que não se conjugam, uma exclui a outra. Contudo, o autoritarismo não é só exclusão é a destruição da democracia.

Meu ponto de partida é o de negar qualquer ditadura, qualquer autoritarismo e o de afirmar a força do Direito e da Justiça social, considerando avanços civilizatórios. O presente texto traz uma discussão sobre democracia e autoritarismo, tomo como referência, os governos de Getúlio Vargas. Quando estudamos democracia, é necessário perguntar a nós mesmos o que é democracia, perguntar sobre nossas ações, sobre nossa participação política. Por exemplo: quando vamos a uma passeata, a outro evento, estamos pensando no coletivo ou é uma forma de defesa de nossos interesses? O fato de achar que vive em uma democracia, não significa que entenda o que é democracia, o que é lamentável. Fica difícil defender seus direitos, por isso, tornam-se presas fáceis, vítimas de influências externas e, se manipulados, não sabem do poder que possuem como cidadãos de direitos. Nossas ações têm de nascer de reflexões e, que não sejam influenciadas pela mídia, apelos externos ou impulsos egoísticos. Do mesmo modo, estudar nossa história, requer ausência de ódio, de subjetividades, de ressentimento, demanda assim isenção de qualquer sentimento, que obstaculize a compreensão, imparcialidade e a precisão nessa eterna busca da verdade.

A neutralidade é impossível, porque envolve valores e visão de mundo de cada um.

Quando me perguntam se Getúlio Vargas foi, de fato, o construtor das bases do Estado Brasileiro, quando me perguntam sobre o Estado Novo, se foi uma ditadura, imediatamente, respondo sim, para as duas perguntas. Meu sim está fundado nos fatos e provas, que estão à vista e à nossa disposição. Porém, não posso olvidar de que as conquistas obtidas tiveram alto custo, custo com relação à vidas humanas, destruição da dignidades e de liberdades; enfim, de direitos fundamentais, individuais e coletivos. No curso dos 8 anos do Estado Novo, a democracia foi destruída. Mas, alguns esquecem dos valores humanos e democráticos; certamente, por ignorância ou interesses, justificam o autoritarismo, torturas, prisões politicas e banimentos. Ah! Getúlio Vargas foi o maior responsável pela criação dos principais Órgãos, bases e instrumentos de criação do Estado Brasileiro e de nosso desenvolvimento econômico, de soberania e nacionalismo, dizem. Não tenho dúvida! Eu entendo, mas minha visão é a de criar uma sociedade próspera, justa e Democrática, preservando direitos.

A democracia burguesa mesmo ostentando elevados índices de crescimento econômico, crescimento do PIB (produto interno bruto), torna-se uma farsa, um arremedo, deixa a maioria fora da divisão do que se produz, gera concentração de riqueza. A democracia pressupõe desenvolvimento econômico com distribuição de renda. O espaço a mim reservado não comporta estender essa discussão, podendo ser cansativa. Há esforço para ser objetivo, mas o assunto me obriga a avançar. Conhecemos a relação de empresas e Órgãos criados, cito alguns: Ministério do Trabalho, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobrás, BNDES, Vale do Rio Doce, Companhia Nacional de Motores, Previdência Social e a CLT, Consolidação da Legislação Trabalhista. Sem dúvida, foi um dos maiores políticos do Brasil, abstraindo-nos das crueldades, que fizeram parte de seu governo, entre 1937 a 1945. No entanto, é inegável sua afeição pela excessiva concentração de poder ou, como queira, pelo autoritarismo, o que é conhecido e inconteste. Então, o Estado Novo foi um período definido como ditatorial e dos mais autoritários de nossa história republicana.

No meu sentir, não há qualquer pretexto que justifique a tortura, prisão política e condenações ao arrepio da lei e da justiça. Nas democracias, as condenações estão respaldadas e garantia no devido processo legal, respeitando o Princípio do Contraditório. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Qualquer condenação e prisão terão de ser, juridicamente, fundamentadas em lei anterior que defina a ação ou a omissão do agente como crime, instaurado o processo sob a égide do devido processo legal, repito. O Estado Novo foi um tempo eivado de múltiplas contradições, autoritarismo, destruição da democracia, da cidadania, a pretexto da “ordem”, querendo conjugar ou justificar, “valendo tudo” pela modernização e pelo crescimento da economia. Assim é que, a comprovada conjugação obedeceu a uma visão, que teve como pano de fundo seu exacerbado nacionalismo, a fixação no anticomunismo, não importando a admiração pela ideologia fascista, que se encontrava em alta no mundo. O presidente Getúlio Vargas era um admirador dessas ideias e até as colocou em prática, executando-as. Inegavelmente, houve esse esforço desenvolvimentista, criando órgãos estratégicos e bases para o Estado propulsor das mudanças, sob esse prisma foi essencial e fomento para o crescimento econômico.

Meu propósito, nesse texto, não é o de tecer uma análise profunda da criação do Estado Brasileiro ou do crescimento económico, até porque desnecessário diante das evidências.

Minha primeira iniciativa é a de mostrar a ideologia autoritária do Estado Novo, forma tupiniquim do fascismo, aqui nos Trópicos. A Constituição de 1934, sob a égide de uma Assembleia Constituinte, foi promulgada, após uma Assembleia constituinte, de participação intensa e democrática. Essa Constituição, sem dúvidas, pôs fim ao governo provisório de 1930, trazendo avanços de inegável significado. Menciono: o principio da alternância do poder, a garantia do voto universal e secreto, o direito de voto das mulheres, a pluralidade sindical e o direito à livre expressão. Assim, ao mesmo tempo, havia a previsão de eleições livres, para 1938 e ainda, era vedado o Instituto da reeleição. O artigo 1° da Constituição rezava por manifesta inspiração democrática: “O poder emana do povo”. Essa Constituição teve vida curta. Em 10 de novembro de 1937, uma nova é redigida por Francisco Campos e é outorgada, sendo a 4a. Constituição Brasileira, marcadamente, autoritária. Nesse mesmo dia, da outorga dessa Constituição, Getúlio dá o golpe e inaugura o chamado Estado Novo, um período inegavelmente, cruel e autoritário.

A Constituição de 1937 não teve qualquer participação popular, cujo propósito foi o de criar um Estado forte, uma base jurídica, que desse legitimidade para governar sob concentração do poder no executivo, trazendo, inclusive, de volta a Pena Capital, para “delitos que atentassem contra instituições governamentais”. O terror e o autoritarismo foram fantasmas, que amedrontaram os brasileiros que pensavam, politicamente, de modo diferente dos que ocupavam o poder. Essa Constituição foi chamada de “,Polaca”,, porque era imitação da Constituição Polonesa, recepcionou dispositivos de outras constituições, modelos fascistas da época. Em 1939, o governo criou o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), irmã siamês da ĢESTAPO, de Hitler. O DIP ficou sob o comando de Filinto Miller, chefe de polícia, declaradamente, um seguidor do nazismo. Assim, Getúlio Vargas criou, nesse período, seu Estado Policial e perseguidor de seus adversários de forma cruel e impiedosa. Ao longo do Estado Novo, escritores, intelectuais e políticos foram presos, torturados e até, desterrados e a perseguição a judeus foi intensa. O Congresso Nacional, as Assembleias e Câmaras municipais foram fechadas. A judia Olga Benário, grávida, foi entregue ao governo alemão, quando foi assassinada em campo de concentração do nazismo. As perseguições aos adversários políticos foram impiedosas, muitos eram torturados e presos nas masmorras da ditadura. Exemplo: os escritores, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Monteiro Lobato e outros presos, que foram jogados nos cárceres comandados por Filinto Muller.

Getúlio Vargas, desgastado, foi apeado pelos militares, em 31 de janeiro de 1946. Então, uma Constituinte foi instaurada, promulgada a Constituição Brasileira de 1946, que aboliu a Pena Capital, exceto em caso de guerra e, foi um esforço democrático, considerando o regime autoritário do Estado Novo. Embora, o Poder Constituinte não tenha aprovado o voto do analfabeto. Nas eleições de 1950, Getúlio volta ao poder, democraticamente, governando, até 24 de agosto de1954, quando se matou, acredita-se. A história tem de ser contada, acompanhada de análises imparciais, sem paixão e partidarismo. Temos mais “estórias” do que análises fundadas em fatos e provas. A verdade é uma eterna busca, porque seus narradores são influenciados por mitos e por interesses.

Com relação à fase autoritária de Getúlio, temos de situá-la em um contexto histórico, como o próprio Getúlio comprovou, em períodos posteriores.

No momento, estamos vivenciando célere destruição de princípios democráticos, de mossa Constituição, de nossa soberania e de nossa independência, valores conquistados com o sangue de muitos brasileiros honrados. Vislumbro, por tudo que acontece, estamos distanciando-nos da democracia e a mentira prospera e, no lugar dos direitos humanos, individuais e coletivos, o governa põe as instituições sob seus pés, em defesa de sua trupe, negação dos malfeitos do próprio chefe do Executivo e dos filhos. Até quando, esse inferno dantesco perdurará? Não sei. A resposta fica para profetas e futurólogos.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.