Por Ricardo Cravo Albin –
“Pra que mentir / Se tu ainda não tens este dom de iludir / E não há necessidade de me trair” (Pra que mentir – Noel Rosa – 1934)
De pouco adianta o governo asseverar que a retaliação europeia e americana ao desastre ambiental do Brasil não existe. Existe, sim. E a cada notícia que a Amazônia e o Pantanal continuam a arder sem controle a tendência a censurar o Brasil cresce em nível vexatório. As maiores empresas de agronegócio, uma possível joia da economia do país de alguns anos para cá, preveem prejuízos agora já assustadores na União Europeia e nos Estados Unidos. Por motivo pontual e imutável, o negacionismo ambiental arruína a política externa de Bolsonaro. Já agora em apreensão máxima, os maiores exportadores brasileiros de carne da Associação Brasileira de Frigoríficos, tanto quanto as de grãos, dirigem cartas aflitas aos Ministérios da Agricultura, Economia, Meio Ambiente e Itamaraty denunciando que estão gravemente ameaçados 25% dos produtos agrícolas e proteínas exportados em 2020, o que equivale a U$ 25 bilhões em vendas no ano passado. Os quatro Ministérios acima mencionados foram informados de que o governo do Reino Unido fez o que ninguém por aqui poderia imaginar: abriu consulta pública sobre sua lei de bloqueio às importações de produtos originários de áreas de desmatamento florestal e crimes ambientais como a Amazônia, agora seguida pelo Pantanal. Os empresários brasileiros asseguram que a situação se torna ainda mais perigosa por um previsível “efeito dominó” a se espalhar por outros importadores dos nossos produtos, todos intimidados por protestos internos de órgãos deles mesmos em defesa do meio ambiente.
O fato é que não cola mais a velha cantilena usada por nossos Ministros insensatos de que o primeiro mundo, os que agora protestam contra o Brasil, já teriam destruído parte de suas reservas ambientais, com as quais forjaram suas riquezas.
Acresce a isso o fato de países bem informados não se guiarem por disse-me-disse e informações desprovidas de origem científica. Todos os países sérios se orientam por provas físicas de satélites poderosos que tudo acompanham, além de fotografarem em detalhes provas de destruição metro a metro por incêndios criminosos. O que, de resto, é mesmo de se esperar depois da frase fatídica de 22 de abril do tosco Ministro do Meio Ambiente ao se referir a “boiada do toca-fogo passar”, enquanto o Brasil tinha olhos exclusivos na pandemia. A frase causou forte repercussão de censura no parlamento inglês. Tendo sido considerada pelo The Times uma das mais perigosas demonstrações de intenções malignas jamais disparadas pelo Brasil, parceiro deles em todos os fóruns internacionais pré-Bolsonaro na defesa do planeta supostamente ameaçado pelas queimadas multiplicadas. O pior: a matéria do The Times acrescentava adendos que pioravam a situação do Brasil, como transcrições de promessas de campanha de Bolsonaro a favor de madeireiros e extrativistas ilegais (os incendiários presumidos), além de contra direitos adquiridos das terras indígenas etc. etc. Mas não só a Europa está de olho na errática política ambiental, respaldada pela insustentável adesão do Itamaraty. Os Estados Unidos do aliado Trump já movimentam a acesa campanha eleitoral de novembro e também turvam o agronegócio brasileiro.
Joel Biden desfralda a defesa do planeta, tema sensível ao eleitor americano médio, ao considerar a destruição do meio ambiente na América Latina como grave risco imposto à vida nos Estados Unidos. Houve até notícias de que assessores sêniores do candidato teriam procurado o Vice Mourão para melhor se inteirarem das intenções reais do governo brasileiro. Enquanto isso, a fumaça dos incêndios toma conta de parte do Continente e chega ao Sudeste – levando o avião do Presidente Bolsonaro a arremeter há dias. Para desespero cada vez mais acentuado do nosso agronegócio, em vias de ter que pagar o custo astronômico do desastre ambiental e diplomático do Governo.
A disputa eleitoral nos E.U.A levou o prestigiado deputado De Fazio, democrata de Oregon, a propor retaliar importações agrícolas e de proteínas do Brasil de imediato. Até aventando tese já esboçada em discurso na Câmara dos Deputados em Brasília: apuração rigorosa dos incendiários e igualmente pesada punição a eles, que, além de multas milionárias, ficariam impedidos por 10 anos de plantar pasto ou grãos nas terras chacinadas na Amazônia e também no Pantanal. Ideia, de resto, que se implantada com o devido rigor poderia salvar em 2021 o pais dos desatinos desenfreados neste trágico 2020.
Que tal movimentarmos a população para esse tipo de providência, que certa vez foi adotada com sucesso na China e em parte dos Estados Unidos? Bolsonaro se aliaria? Com a condição de antes demitir os Ministros incendiários, expondo-os ao opróbio universal…Tenho quase certeza de que os votos perdidos na classe média que o elegeram em 2018 voltariam para ele em dobro agora em 2022. Use a cabeça, Presidente!
Em especial quando acabo de ver na TV declaração infeliz do general Heleno Augusto asseverando, sem provas, que a campanha mundial em defesa da Amazônia visaria derrubar o Presidente da República. Inconveniente teoria de conspiração feita, o pior, há poucas horas da fala de Bolsonaro na ONU. O que mereceu certeira resposta de Rodrigo Maia ao dizer que Bolsonaro jamais mereceria tal insulto. Mesmo se ele proferisse a frase inverídica “O Brasil é quem mais defende o meio ambiente no mundo” (Pra que mentir?). O que pouparia nosso país de risinhos de desdém na Assembleia de abertura da ONU.
Vale até o Presidente conferir proféticos versos de Noel dirigidos (por que não?) ao bisonho Ministro do Meio Ambiente, acompanhado pelo igualmente insustentável Chanceler, que tanto envergonha o Barão do Rio Branco:
“Nas tuas juras eu sorrindo acreditei / Hoje eu choro já descrente / Vendo quanto me enganei.” (Assim, sim – Noel Rosa – 1934)
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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