Por João Claudio Pitillo e Roberto Santana Santos –
A “Guerra de Mentira” foi como ficou conhecido o período entre setembro de 1939 e
maio de 1940, onde as tropas anglo-francesas declararam guerra à Alemanha, mas não
realizaram nenhuma ação. Apenas assistiram os nazistas se expandirem. Esse exemplo
pode ser usado para designar – salvaguardando as devidas proporções – as intenções de
Jair Bolsonaro e sua quadrilha contra a Venezuela. Desde que assumiu o governo,
Bolsonaro tem feito grandes esforços para transformar o Brasil em uma plataforma
reacionária no continente. Reduziu o Itamaraty, historicamente altivo e assertivo, em um
escritório de loucuras a serviço de fascistas deslocados no tempo e no espaço e tenta a
todo momento atrelar o país a Israel, um anão diplomático, que é conhecido
internacionalmente por exportar terroristas e mercenários.
O alinhamento automático produzido por Bolsonaro aos Estados Unidos coloca o país no
nível mais baixo de sua subordinação política. Sem nenhuma contrapartida, Bolsonaro
entrega a Base de Alcântara, entrega o pré-sal e a Petrobras, prepara a doação da
Eletrobras e se abstém de alavancar o MERCOSUL e os BRICS. A ideia de transformar
o Brasil em um polo contrarrevolucionário é inócua, pois esse papel já é exercido pela
Colômbia dentro do Plano Colômbia, não cabendo espaço para a participação brasileira,
já que em seu território não operam forças irregulares de contestação ao governo. Até
mesmo as fronteiras brasileiras, pelas suas características geográficas, dificultam as
forças brasileiras em atuarem contra os insurgentes de países vizinhos. Durante todos
esses anos de ações de guerrilha em países limítrofes, como Bolívia, Colômbia, Peru e
até mesmo o Paraguai, o Brasil se mostrou vigilante, mas deslocado de todo e qualquer
envolvimento.
Recentemente, com todas as falácias direcionadas contra a China, maior parceiro
comercial brasileiro, e contra Cuba, o governo Bolsonaro tenta se mostrar um ativo
parceiro estadunidense, mas não consegue (ainda bem!) ultrapassar a barreira da retórica,
aparecendo aos olhos internacionais como mais uma “republiqueta de terceiro mundo”.
A tentativa de se contrapor ao governo venezuelano (mais um favor à Washington)
esbarra na falta de condições efetivas para esse intuito. Desde a desastrada tentativa de
invasão do território venezuelano em fevereiro de 2019 (por alguns alucinados
bolsonaristas que a bordo de um pequeno caminhão de mudanças juravam entregar “ajuda
humanitária” aos venezuelanos, mesmo contra a vontade das autoridades daquele país)
que acabou em uma tragicômica batalha campal, o governo brasileiro não se pronunciava
mais incisivamente sobre o país vizinho.
No último dia 19 de julho, a imprensa nacional e internacional comentou o novo relatório
das Forças Armadas Brasileiras, que indicavam a América do Sul como um lugar de
conflito, onde ameaças ao Brasil podem surgir; por isso, o planejamento específico para
a região se fazia necessário. O curioso desse planejamento é que ele está na contramão
das ações do governo Bolsonaro, que abre mão de estabelecer laços comerciais e políticos
com os países da área, em favor de promessas vãs feitas por Washington de que o Brasil
poderá ter acento na OCDE e OTAN (possibilidades que não trariam absolutamente
nenhum ganho para o país). Não restam dúvidas que o governo Bolsonaro se presta ao
papel de desagregador na América Latina; sua participação no golpe de Estado contra o
presidente Evo Morales na Bolívia e as tentativas contra o presidente venezuelano Nicolás
Maduro não são uma novidade. As Forças Armadas Brasileiras já estiveram à serviço dos
interesses estadunidenses algumas outras vezes: São Domingos 1965 e Haiti 2004.
Com a sua política vil e reacionária, Bolsonaro aluga as Forças Armadas Brasileiras aos
interesses estadunidenses sem o menor pudor. Seu projeto entreguista é tão vazio e inócuo
para o Brasil que é capaz de servir a qualquer um que dirija a Casa Branca, sendo
republicano ou democrata. A submissão brasileira garantida por Bolsonaro gera
lucratividade a Wall Street e segurança a Washington e nada de positivo ao povo
brasileiro. A ausência de qualquer compromisso com os mais pobres e a falta de interesse
em edificar um projeto independente que possa garantir ao Brasil lugar de destaque na
economia mundo, coloca Bolsonaro entre os notórios páreas que já existiram em nosso
continente, sempre governando de costas para a América Latina e de joelhos para os
Estados Unidos.
É evidente que uma figura como Bolsonaro causa preocupação em todos que defendem a
integração latino-americana sob o manto da concórdia e da cooperação, onde as forças
nacionais e regionais possam constituir um bloco de ajuda mútua que supere a longeva
dependência que carregamos fruto do colonialismo. Mas, há de se considerar se existem
condições objetivas para que as bravatas de Bolsonaro e sua quadrilha possam acontecer.
Dois pontos precisam ser analisados:
1) Existem condições para algum tipo de conflito de ordem estratégico ao longo da
fronteira Brasil – Venezuela?
2) Existem condições táticas para ações militares por parte do Brasil contra a Venezuela?
Levando em consideração que a Venezuela não tem nenhum interesse fora de suas
fronteiras, a primeira pergunta pode ser entendida como nula e seguindo na linha política,
os centros de poderes venezuelanos ficam a centenas de quilômetros das fronteiras
brasileiras, onde uma densa selva amazônica cria uma área natural de exclusão de contato.
Por mais poluída que possa estar a mente de nossos militares contra o governo Maduro,
por mais tacanho que possam ser os produtores desse relatório, não podemos deixar de
observar o pragmatismo reinante na formação desses mesmos militares.
Isso exige reconhecer que a Venezuela hoje é uma força militar em franca expansão, que
a Venezuela tem em seu território sistemas de contra-medidas fornecidos por Rússia e
China e que a mesma não está só no âmbito da política continental. Os séculos de amizade
entre venezuelanos e brasileiros têm feito de suas fronteiras uma das mais pacíficas da
região, tornando desnecessária a militarização da região. Todos esses fatores dificultam
qualquer estabelecimento de anteparos inamistosos por parte de Bolsonaro via Forças
Armadas contra a Venezuela.
Desde que Bolsonaro assumiu o governo, os militares brasileiros divulgaram relatórios
minimamente estranhos, que comprovam o estado de alienação que vivem nossos
estrategistas. Se apostar em Bolsonaro já foi um sinal de despreparo, quando elencaram
a França e agora a Venezuela (de maneira subliminar) como potenciais contendores,
atestaram a mais profunda incompetência. Essa incompetência prossegue ao não
compreender que o mundo do século XXI aponta para o Oriente, onde China e Rússia
assumem a vanguarda, oferecendo uma miríade de oportunidades comerciais, mesmo
com o BRICS, o governo Bolsonaro continua a ignorar tais facilidades. Submisso à Casa
Branca, o Brasil de Bolsonaro não consegue planejar nada de factível a nível de
estratégico no campo das Relações Internacionais.
Mesmo brandido o espantalho do comunismo, mesmo criando dossiês insanos e análises
tacanhas, Bolsonaro não é capaz de fazer uma guerra contra a Venezuela, no máximo uma
embosca. Os oficiais que o cercam precisam compreender que, com Bolsonaro, a derrota
é iminente em todas as áreas. Bolsonaro se porta como um garoto de recados de Trump,
ridicularizando com isso as Forças Armadas Brasileiras. A guerra de mentira de
Bolsonaro tem mais efetividade no WhatsApp do que no campo de batalha. Até porque,
não podemos esquecer o célebre aviso dos próprios militares em 2012: “só temos munição
para uma hora de guerra”!
João Claudio Platenik Pitillo – Doutorando em História Social pela UNIRIO,
pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas da UERJ (NUCLEAS) e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
Roberto Santana Santos – Doutor em Políticas Públicas e Mestre em História Política pela
UERJ. Professor da Faculdade de Educação da UERJ e Secretário-executivo da
REGGEN-UNESCO.
MAZOLA
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