Por José Carlos de Assis –
O Ministério da Fazenda, com a característica peculiar aos neoliberais, está adotando um procedimento criminoso para a distribuição de benefícios sociais por conta da pandemia. Ele discrimina entre os pobres, com a exigência absurda de vários documentos e regras de enquadramento em diferentes níveis dos programas, estabelecendo uma verdadeira pandemia burocrática para que pessoas do povo sejam atendidas.
O resultado dessa extravagância são filas quilométricas diante de agências e postos da Caixa Econômica, humilhando de forma às vezes inútil justamente os cidadãos miseráveis aos quais são negados os benefícios por causa de exigências descabidas que não podem cumprir. Esses cidadãos, indiscutivelmente os mais miseráveis, estão, dessa forma, sendo esmagados pela burocracia. E como se juntam em filas quilométricas, tornam-se os agentes da propagação do coronavírus, em total contradição com o espírito do programa.
O prefeito Marcelo Crivella está desesperado para acabar com as filas. Tem feito exigências nesse sentido aos dirigentes da Caixa para que providenciem, de qualquer forma, um meio de eliminá-las. Infelizmente o prefeito não será atendido a despeito de seus esforços desesperados. A esfera de decisão, nesse caso, é o Ministério da Fazenda, autor das normas absurdas, as quais deveriam ser suprimidas imediatamente, se se pretende atender realmente os pobres nas suas exigências mais básicas.
Por traz do Ministério da Fazenda, está a sombra de uma praga disseminada no Rio e no Brasil desde os anos de Carlos Lacerda, o combate retórico à corrupção no setor público, geralmente sem provas. O Ministério resiste a distribuir os benefícios porque pretende evitar vazamentos. Aí a lógica do programa contra o coronavírus se inverte: em lugar de distribuir os benefícios, discrimina-se e condena-se à inanição parte significativa daqueles que seriam beneficiários naturais dele.
Quando se trata de pobres, não pode haver distinção. Se forem retiradas múltiplas exigências cadastrais para obter os benefícios, é possível que haja algum vazamento residual para alguns cidadãos que não tem direito. Não importa. Isso deve ser imputado ao conjunto do programa, sem peso específico para determinar distorções reais. Afinal, o Brasil gasta mais de 400 bilhões de reais em pagamento anual aos banqueiros, o que mais do que justificaria destinar as migalhas do orçamento aos miseráveis da pandemia.
É exemplar como o presidente Lula tratou de situação semelhante, em menor escala, relacionada ao defeso (benefício para proteger financeiramente os pescadores nos períodos de reprodução dos peixes). Consultado por um ministro que estava preocupado com grande número de beneficiários que poderiam não ter direito burocrático ao programa, ele respondeu com a sabedoria generosa de sempre: “Ministro, tem rico recebendo?”. Acho que não, respondeu o Ministro. “Então, deixa ficar”, concluiu Lula.
O que o Ministério da Fazenda faz atualmente no Brasil, com sua obsessão neoliberal, concentrada no controle de aspectos absolutamente secundários do orçamento federal, é uma discriminação odiosa contra os pobres. Observem as ações do Governo, dirigido a partir dele, em mais de um ano de governo: não há ações concretas a favor dos pobres nem combate efetivo ao desemprego, tendo em vista uma reforma previdenciária que, como a trabalhista de Temer, tratou exclusivamente de retirar direitos dos trabalhadores.
Entretanto, o problema imediato são as quilométricas filas da Caixa. O Congresso Nacional, que forçou o aumento de alguns benefícios contra os critérios da Fazenda, pode perfeitamente entrar no jogo e determinar à Caixa e aos demais órgãos desse Ministério eliminar todas as condicionalidades para o recebimento dos pagamentos por parte dos pobres. Esqueçam supostos vazamentos. Como disse, são uma expressão mínima do que se gasta com juros. Tenho certeza que Crivella compareceria ao plenário virtual do Congresso para dar um testemunho do que está acontecendo no Rio de Janeiro, e provavelmente no Brasil. Se a obsessão do controle perdurar, pode-se fazer um controle testemunhal posterior. Mesmo porque, no Brasil, quem rouba é rico, e não pobre.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.
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