Por José Carlos de Assis

Senhores Generais, a crise brasileira, em todos os níveis, não é provocada pelo Exército. É provocada, essencialmente, por um civil que por deficiência de informação o Presidente Bolsonaro colocou no Ministério da Economia, com plenos poderes. Repetiu-se assim, com longo intervalo histórico, o que aconteceu com o Marechal Castello Branco em 1964: ele colocou nas mãos de um civil, Octávio Gouveia de Bulhões, o controle pleno da economia, do que resultaram três ajustes fiscais sucessivos, derrubando a economia e comprometendo a estabilidade social.

Do resto sabemos, ou a maioria de nós sabe: os ajustes fiscais, afetando diretamente o programa de obras de Carlos Lacerda, liquidou as pretensões deste de se candidatar à Presidência da República, levando-o a atacar violentamente o presidente Castello Branco. O resultado foi instabilidade no sistema militar e a solução final de prolongamento da revolução com a entrega do poder ao Marechal Costa e Silva. Em 2008, sob o controle de Delfim Netto, terminou na economia a era dos ajustes e voltamos ao crescimento. Socialmente, porém, já era tarde: a marcha dos 100 mil já estava na rua. Daí seguiu-se uma reforma constitucional autoritária, uma radicalização política e militar recíproca, o AI-5 e os anos de chumbo. Tudo em razão de uma gerência estúpida da economia.

Se a História é a mãe de todas as ciências, como ensinou Cícero, é chegado o momento de extrair de nossa experiência histórica uma consequência prática de sentido científico. Não há como retroagir no tempo para reconstruir a economia que Guedes destruiu. O legado dele é imprestável. Sua essência é a proposta de privatização de 17 estatais, dentre as quais as estratégicas Petrobrás e Eletrobrás, em favor, exclusivamente, do sistema financeiro rentista. Ao aceitar essa agressão contra o interesse nacional Bolsonaro comprometeu de forma definitiva o seu governo. Mesmo porque o outro legado de Guedes são os ajustes fiscais infinitos, no mesmo espírito daqueles que inspiraram Gouveia de Bulhões.

O estarrecedor, no comportamento do Ministro, não é a falta de iniciativa que se aplica inclusive no combate ao coronavírus. Enquanto todas as autoridades brasileiras, inclusive do Exército, se colocam numa atitude pública de alerta, ele está numa posição cínica. Seus principais assessores sustentam a necessidade de voltar aos ajustes fiscais depois da fase de combate ao vírus, como se fosse possível recuperar a economia com novos ajustes fiscais. Não é á toa que, dentre as maiores economias, o Brasil tem o programa mais pobre de combate e prevenção do vírus do mundo. O que nos tem salvo, por enquanto, são condições sanitárias não claramente conhecidas, e que os religiosos atribuem a Deus.

Para o bem do país Bolsonaro tem que ser destituído, e isso só pode ser feito pelo Exército. Um processo de impeachment seria extremamente demorado e, considerando os meios que o Presidente tem para controlar suas bases, indefinido. Além disso, há desafios para a República ainda mais profundos. Pelo que sabemos, toda a linha sucessória está comprometida com denúncias ou suspeitas de corrupção. É o caso de Rodrigo Maia e David Alcolumbre. Mourão está deslegitimado pelo processo eleitoral que o elegeu, colocado em dúvida pelo próprio Bolsonaro. O presidente do Supremo foi comprometido por conversas captadas no Intercept.

Para onde olhamos há tremendos desafios. Não há a mais remota possibilidade de esses desafios serem superados pela via normal. A destituição de Bolsonaro, sem

salvaguardas, seria o início de um processo de instabilidade que custaria ao Brasil imensos sacrifícios, e sem a chance de ver uma perspectiva de saída a curto e médio prazos. Isso me leva a concluir que a única solução possível, numa perspectiva razoável de tempo, é a intervenção do Exército. Sei que a maioria dos oficiais rejeita a hipótese de uma intervenção. Contudo, não é mais desejo. É dever. Para alguma coisa temos Forças Armadas, cujo papel, no caso, é evitar uma convulsão social e a ruptura da unidade nacional.

Não temos muito tempo para decidir, mas enquanto é tempo devemos fazer uma reflexão sobre nossa institucionalidade tão instável. Desde Deodoro temos instabilidade na Presidência. Depois veio o movimento tenentista. Getúlio foi um governo de sorte, mas sob ditadura. Depois vieram Jânio, Jango, Collor, Dilma, todos derrubados. Não haveria alguma coisa errada com nossa estrutura de governo? Ela já não estaria obsoleta?

Estou convencido de que o sistema presidencialista puro não nos serve. É um sistema muito sujeito à corrupção, ao jogo de influências demagógicas, às pressões econômicas, à chantagem parlamentar. No meu entender, o governo deveria ser dividido entre funções de Estado e funções de economia e administração. Um parlamentarismo misto, como existe em parte em vários países da Europa. O presidente deveria resguardar para si algumas funções essenciais, com características de estabilidade, como as de guerra e paz, genética, meio ambiente e ciência e tecnologia. O governo, como dito, trataria de economia e administração. Esse sistema poderia ser bem estável se o mandato presidencial, a exemplo de um rei com funções objetivas, fosse suficientemente longo no tempo sugerindo estabilidade.

Talvez eu esteja me adiantando na sugestão, mas não há muito tempo a perder. Haverá quem se oponha a uma intervenção militar. Tenho muitos amigos que se opõem. Entretanto, quando peço uma alternativa, ficam calados. Por certo que há um preconceito contra as intervenções por causa dos casos passados. Isso, contudo, é uma deficiência de conhecimento histórico. Mesmo 64, repudiado pela esquerda, é mal interpretado: havia uma convulsão em marcha, uma guerra civil em perspectiva, cujos contornos poderiam ser vistos na instabilidade política que colocou, por exemplo, Leonel Brizola contra o cunhado Presidente.

Entretanto, se este Alto Comando for sábio, ele revestirá a intervenção de processos que lhe tirarão o caráter autoritário. Primeiro, nomeará um Presidente civil, com mandato de seis meses, para as funções acima mencionadas. Depois, deixaria a esse Presidente a escolha de um Primeiro Ministro, com seu corpo ministerial, com mandato de seis meses. As liberdades civis seriam absolutamente garantidas. E o Conselho de Ministros teria uma função precípua de estabelecer imediatamente um programa econômico de combate ao desemprego e à recessão, com prazo determinado de seis meses para dar resultados. Nesse prazo, haveria eleições gerais, com uma eleição de mandato especial para presidente.

A legislação anterior, basicamente as do governo Temer e do próprio Bolsonaro, seria revista tendo em vista o interesse público aferido num grande Pacto Social. Finalmente, seria aberto imediatamente o processo de uma nova Constituinte – a Constituição atual tem mais de 200 emendas, portanto fracassou como suporte da cidadania e da democracia – a ser elaborada por um grupo de especialistas e representantes de setores sociais com o fim de ser referendada pela cidadania.

Senhores Generais, insisto que a iniciativa é sua. Não espero dos senhores nenhum gesto heroico, exceto aquilo que corresponde a seu dever funcional: proteger a República e a ordem pública, neste momento ameaçadas por uma instabilidade social e política sem precedentes, onde até policiais militares desafiam a ordem institucional. Convoquem um

Conselho de Anciãos que tenham credibilidade pública para referendar perante a sociedade as decisões que vierem a tomar. Da minha parte, aguardarei ansiosamente suas iniciativas que, se vierem na forma indicada, apoiarei entusiasticamente como jornalista, economista, professor e escritor.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.