Por Siro Darlan –
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990), um marco para o ordenamento jurídico brasileiro e uma das normas mais modernas do mundo em relação à garantia de direitos e proteção integral da infância e juventude, completa 31 anos na próxima terça-feira, 13 de julho.
O segundo aniversário do ECA em meio à pandemia é uma oportunidade para reconhecer as vulnerabilidades enfrentadas pelas crianças e adolescentes em momentos de crise e apontar avanços necessários para a efetivação de direitos.
Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, meninos e meninas passaram a ser vistos sob nova perspectiva, como “sujeitos de direitos”. A preocupação da lei é a proteção integral de todas as pessoas com idade entre zero e 18 anos. Embora a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da Criança conceitue o sujeito criança desse modo, a legislação brasileira dividiu em duas etapas chamando de criança, de zero a doze anos e de adolescentes, de doze a dezoito anos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é um marco civilizatório que substitui a doutrina da situação irregular pela da proteção integral prevendo claramente as atribuições do Estado, da família e da sociedade para garantia plena dos direitos, sendo extensivo a todos, sem distinção de qualquer natureza, ou seja, diferentes etnias, condições sociais e de desenvolvimento e origem devem ser contemplados pela proteção integral.
Destaque-se que o ECA também foi importante para a criação de instituições oriundas de movimentos democráticos, como os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares, compostos por representantes da sociedade civil que, junto com o Estado, passaram a estabelecer as políticas básicas e especiais para a infância e a juventude.
O que conseguimos conquistar nesses 31 anos não é muito significativo, uma vez que ainda há crianças e adolescentes vivendo abaixo da linha da miséria, em abando familiar e social, embora tenha ocorrido um amadurecimento e as práticas protetivas necessárias para lidarmos com as modificações ocorridas por conta da pandemia da Covid-19. Lidamos com adversidades e situações nunca antes experimentadas e lutamos, a cada dia, para mantermos assegurados os direitos das crianças e adolescentes.
É bom lembrar que a legislação brasileira prevê a garantia da proteção integral às crianças e adolescentes, considerando-os como sujeitos únicos, inseridos no processo de desenvolvimento e detentores de direitos. Assim, o país conta com ampla legislação protetiva, sendo o desafio garantir a efetividade desses direitos. Falta a concretização real desse processo de reconhecimento da cidadania.
Ainda há indicadores de que o Brasil tem as maiores taxas de violência contra crianças e adolescentes em todo o mundo, dentre violência física e emocional.
Com todas as dificuldades para se obter dados sobre a violência intrafamiliar, por motivo das subnotificações, o relatório do Disque 100, crianças e adolescentes integram o grupo mais vulnerável no tocante às violações, tendo em vista que 55% das denúncias que são feitas possuem este público como vítima. Em outro estudo realizado no Brasil, cujo objetivo foi levantar a prevalência das distintas formas de violência sofridas por crianças e adolescentes, a violência física foi a mais prevalente (85%), seguida da violência emocional.
As estatísticas nos mostram que o Brasil atende às mais rigorosas legislações internacionais no aspecto da proteção à criança e adolescente, partindo do referencial da proteção integral, mas, na prática, ainda estamos distantes da efetiva garantia dos preceitos da prioridade absoluta dos infantes.
Advindo de uma sociedade habituada a maltratar as crianças, até 1990, sendo objetos de uma criminalização de sua situação de pobreza e abandono, os desafios não são novos. É preciso seguir em busca de efetivar os direitos que já estão assegurados de forma ampla e absoluta, o que engloba esforços dos entes públicos e todo o sistema de proteção, incluindo a implementação de políticas públicas persistentes com enfoque prioritário na criança e no adolescente, conforme claramente estipulado no artigo 4º, parágrafo único, alínea “c” c/c 87, incisos I e II), do ECA.
Com a pandemia e a obrigatoriedade de permanecer mais tempos em casa, sem frequentar escolar, não há dúvidas que houve prejuízo no aprendizado e na sociabilidade das crianças Neste contexto, destaca-se ainda os casos de violência intrafamiliar, nos quais crianças e adolescentes ficam à mercê dos humores dos pais, inseridos em muitos ambientes de relações violentas. Uma realidade que sempre vivenciamos no país, mas intensificou-se no curso da pandemia, por conta do confinamento e a ausência da escola – um dos pilares mais importantes como mecanismo de proteção e denúncias de violências contra crianças e adolescentes.
O afastamento social rígido, necessário para contenção da contaminação pelo coronavírus, impediu a convivência de crianças e adolescente em distintos núcleos (escolar, familiar, clubes e atividades extraclasses), acabando por reduzir a interação social e gerando pessoas mais introspectivas, tímidas e de baixo autoestima, um impacto que ainda vamos mensurar a longo e médio prazo.
O impacto emocional pode ser avaliado na esfera intrafamiliar e extrafamiliar. A pandemia foi, e segue sendo, utilizada como fundamento e justificativa para afastar crianças e adolescentes de núcleos familiares, primários ou extensos, sob o pretexto de proteção e contenção da doença.
Mas, sem sombra de dúvidas, o afastamento da convivência repercutirá na esfera emocional das crianças e adolescentes, alargando distância afetiva e rompendo com milhares de vínculos de carinho e amor, o que pode gerar sequelas graves e futuras.
SIRO DARLAN DE OLIVEIRA – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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