Por João Batista Damasceno –
Hoje, 17 de janeiro de 2022, faz 46 anos da morte do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho sob tortura na sede do DOI-Code/II Exército, em São Paulo.
Preso na véspera, na fábrica onde trabalhava, fora submetido a tortura para informar o paradeiro das lideranças do Partido Comunista Brasileiro (PCB) a serem eliminados em decorrência da deflagração da Operação Condor.
No dia de sua morte as autoridades emitiram nota dizendo que o operário havia se enforcado usando as próprias meias. Ao receberem o corpo para sepultamento os familiares verificaram marcas de tortura na testa, pulso e pescoço. Além disto, os colegas da fábrica afirmaram que ao ser preso, em seu local de trabalho, o operário não calçava meias, pois trabalhava de sandálias.
O laudo pericial emitido pelos legistas José Antônio de Mello e José Henrique da Fonseca, confirmou a farsa e oficializou a versão oficial do suicídio. As perícias oficiais foram e continuam a ser um problema nas instituições brasileiras componentes do Sistema de Justiça.
Os militares, durante a ditadura empresarial-militar, transformaram os quarteis em centros de tortura. Sequestros, torturas, roubos, estupros, assassinatos e desaparecimentos eram prática comum nos Anos de Chumbo. Mas, o general-presidente Ernesto Geisel tentava racionalizar o processo e elaborou lista dos que podiam ser mortos a fim de preparar o campo político, deixando-o propício para a atuação dos conservadores após a abertura política. Somente oposicionistas confiáveis ou lideranças de trabalhadores que não ameassem o capital tinham relativa liberdade para atuação. Neste contexto é que se ampliou um tipo de sindicalismo que não afronta o capital, não busca a superação do sistema, nem aborda o conflito inconciliável entre capital e trabalho, mas que busca a inclusão por meio do trinômio emprego-renda-consumo.
O general-presidente Ernesto Geisel submeteu as eliminações dos nacionalistas e comunistas, a serem feitas pelo Centro de Inteligência do Exército, à prévia consulta do general João Batista de Oliveira Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informação/SNI. A morte de Manoel Fiel Filho não foi precedida de autorização do SNI, numa evidente quebra de hierarquia.
Em 25 de outubro de 1975 a morte do jornalista Vladmir Herzog já havia causado mal estar entre os militares da Linha Dura e o general-presidente da República. A Morte de Manoel Fiel Filho era uma afronta à determinação de prévia consulta à Presidência da República e uma reiteração da desobediência.
Desde sua posse em 1974 o general-presidente Ernesto Geisel fazia um discurso de abertura política, na época chamado de “distensão”. O governo enfrentava dois infortúnios: a derrota nas eleições parlamentares daquele ano e a crise do petróleo que estagnou a economia. Nesse cenário, a Linha Dura se sentia ameaçada e temerosa de possível responsabilização por seus crimes, se o país fosse redemocratizado. O general Ednardo D´Ávila Mello, comandante do II Exército, fazia afirmações de que os comunistas estavam infiltrados no governo de São Paulo.
Mesmo com o discurso de distensão desde o ano anterior, a repressão continuava forte e o Centro de Informações do Exército/CIE fora encarregado da Operação Condor, visando a eliminação dos nacionalistas e das lideranças do Partido Comunista Brasileiro/PCB. Mas toda morte deveria ser precedida de prévia autorização da Presidência da República, o que não fora atendido pelo general Ednardo D´Ávila Mello. Assim, em 19 de janeiro de 1976 foi exonerado do comando do II Exército pelo general-presidente Ernesto Geisel, dando inicio a uma queda de braço dentro dos quarteis. Esta queda de braço incluiu a exoneração do ministro do Exército Silvio Frota em 12 de outubro de 1977, e que somente se arrefeceria quando a Linha Dura foi apanhada com uma bomba no colo em 1981.
O período no qual Manoel Fiel Filho foi morto sob tortura foi conturbado. Os três mais proeminentes opositores do regime empresarial-militar haviam morrido num intervalo de nove meses, em situações que até hoje propiciam suspeição: Juscelino Kubitschek em 22/08/1976, Jango em 06/12/1976 e Carlos Lacerda em 21/05/1977. Neste período o governo do Uruguai ameaçou revogar o asilo concedido a Leonel Brizola. Mas, o cenário internacional tinha mudado. Jimmy Carter se tornara presidente dos Estados Unidos. Em 20/09/1977 Brizola, acompanhado por agentes dos EUA, viajou para Buenos Aires e em 22/09/1977 partiu num vôo sem escala para os Estados Unidos. O resgate de Brizola pelos EUA, antes que fosse morto pela ditadura empresarial-militar, foi um dos mais bem sucedidos esforços do governo Jimmy Carter em favor dos direitos humanos e demonstrou que os EUA não mais apoiavam a ditadura que ajudaram a implantar no Brasil.
Mas, a Linha Dura não parou. Passou a praticar atos de terrorismo contra instituições e pessoas comprometidas com a redemocratização. Na noite de dia 30 de abril de 1981 uma bomba explodiu no colo do Sargento Rosário e atingiu o Capitão Machado que também estava no veículo. O evento conhecido como Atentado do Riocentro demonstrou o que era o Terrorismo de Estado no Brasil. Tanto a Operação Condor como a origem da expressão “Esquadrão da Morte”, igualmente utilizada na ditadura de Augusto Pinochet no Chile, demandam um estudo aprofundado.
A falta de responsabilização dos algozes das liberdades é parte do processo que permite a permanência das atrocidades que vigem no presente momento. A impunidade dos algozes das liberdades os deixou seguros de que podem ameaçar a democracia e as instituições. A revisão da Lei da Anistia e enquadramento dos que se voltaram contra a democracia é meio para evitar que o passado continue a nos assombrar.
A vida e morte de Manoel Fiel filho são a base do documentário Perdão mister Fiel – o operário que derrubou a ditadura no Brasil, que mostra a atuação dos Estados Unidos na caça aos comunistas e nas ditaduras militares na América do Sul.
46 ANOS DA MORTE DE MANOEL FIEL FILHO! MANOEL FIEL FILHO, PRESENTE!
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro efetivo da ABI.
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