Por Luiz Carlos Prestes Filho

Para o produtor cultural, Zum Noronha, o governo do presidente Jair Bolsonaro parece que veio para estrangular todas as manifestações culturais do Brasil, independente da proposta estética, patrimonial ou social: “Algo que tem semelhança com o nazismo. A cada dia que passa tomamos conhecimento de projetos cancelados; de verbas contingenciadas; e programas fiscalizados por uma atenta inquisição ideológica. Falta somente acenderem as fogueiras para queimarem livros, CDs, DVDs; filmes, pinturas e partituras”.

Atuante em Belo Horizonte, desde 2012, cidade onde organiza shows com artistas locais e de outros estados, Zum afirma que a situação fica mais complicada ainda por conta da gestão publica local: “Tanto o atual governo estadual como o municipal, da capital, não tem dado sinas de desejar incentivar a cultura. Os eventos musicais que organizo no Cine Teatro Brasil, no centro de BH, conta somente com a bilheteria. Nesta altura dos acontecimentos nem imagino qualquer aporte das leis do ISS (municipal) ou de ICMS (estadual). O momento demonstra que os produtores devem buscar novas fontes de financiamento. Enfrentar as leis de mercado. Mas, sinceramente, como disputar com Warner, Disney ou Sony? As multinacionais da cultura já estão se apropriando da gestão do Escritório Central de Arrecadação de Direitos, o ECAD, que deveria privilegiar os compositores, interpretes, músicos e arranjadores brasileiros. Mas o que acontece é o oposto. As gravadoras e as editoras estrangeiras estão mandando em tudo, através da centralização dos titulares fonográficos. Nesta guerra a música brasileira que já chegou a 80% de arrecadação e distribuição, hoje representa 45%.

No palco (esq.) Zum Noronha – Arquivo pessoal

Suas referências, como consumidor de cultura são as obras de artistas nacionais com Milton Nascimento, Leci Brandão, Sepultura, Titãs, Sérgio Reis, Renato Teixeira, Almir Sater; Toninho Horta; Nelson Freire; João Carlos Martins; e Arthur Moreira Lima: “Como seria bom ouvir esses autores no rádio e na televisão, nos filmes e programas de auditório. Mas esse conteúdo está sendo aniquilado. Somente políticas públicas, de cunho nacionalista, poderiam reverter esse processo de globalização do consumo cultural. Em Minas Gerais, e particularmente em Belo Horizonte, tínhamos que fomentar escolas de música, de teatro e de dança. Trazer toda a população para um amplo projeto que permitisse formar público. As escolas públicas e privadas, municipais e estaduais, deveriam ser orientadas para oferecer aos alunos e professores noção da nossa identidade nacional, que passa pelas manifestações culturais. No
Estado de Minas Gerais temos uma maneira própria de falar, de vestir e de se alimentar. Não podemos ceder a padronização dos gêneros e estilos.

Zum Noronha Produções (Divulgação)

Militante ativo dos movimentos culturais, Zum Noronha, diz que uma das suas principais reivindicações, na próxima campanha política eleitoral, será a proposta de criação de uma lei que verdadeiramente sirva de incentivo para toda classe artística mineira: “Precisamos de editais menos extensos, que abranjam todas as manifestações artísticas. Algo que tenha sincronia com a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Temos que saber unir projetos e práticas para reestruturar o setor.

Pessoalmente, Zum Noronha nunca desiste de nada: “Acho que a produção cultural está no meu sangue. Minha avó foi pianista clássica; meu avô foi diretor e tesoureiro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro; e meu pai fez parte do coral da USIMINAS. Foi o produtor cultural Tadeu Martins que, em 2016, me deu um grande empurrão incentivador. Hoje ele é meu grande amigo que acompanha tudo que faço com aquele olhar único, severo e apaixonado pelas coisas e saberes dessas nossas Minas dos Gerais. Quando a crise do Covid-19 terminar vou tomar com o amigo uma boa cachaça, com aquele torresminho.”

Arquivo Pessoal

LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).