Por Siro Darlan –
Eu conheci WU, o Poeta da Porta do Inferno, quando ele estava queimando em chamas e, poetava desabafando em meio a sua depressão: “Mas eu não vou chorar/ Não vou entrar em depressão. / Quero crescer como uma criança. / Um aluno da vida/ Aprendendo a lição. Assim ele reagia aos horrores da prisão e a seus algozes representantes do estado repressor.
Descobri que até no inferno os poetas são capazes de resistir, e assim ele desabafava acusando seus detratores: “ O Estado me vende arma. / O Estado me prende a arma. / O Estado me mata por causa da arma. / Ou seja, o Estado é a própria arma. ” WU levava a poesia a seus companheiros de jornada e os consolava com sua veia artística. Assim falou WU.
Um dia ele resolveu contar sua própria história como se fosse um Evangelho do sofrimento. ”A puta que me pariu, só queria meter e não queria a mim ter./ Mas não se preveniu sete meses, depois eu vim nascer. / Viciada, dependente do crack. / Só por Deus eu não nasci com o vírus da AIDS”. Quanto dor nesse coração humano e sofrido para assim se referir a quem lhe deu a vida. Pior foi o que a vida lhe reservou ao leva-lo para experimentar o inferno prisional.
O poeta demonstra em suas palavras a dor do sofrimento de uma criança abandonada nos abrigos estatais, onde ainda, a despeito do que a lei proclama, pessoas que precisam de proteção integral, são jogadas como lixo humano pela simples razão de ser pobre e não amada. Os abrigos públicos ou não são prisões que retiram a liberdade das crianças como se ainda vivêssemos sob a égide da doutrina da situação irregular. Há alternativas sociais humanizadas como os o programa de famílias substitutas ou estímulos às famílias estendidas, mas essa não é uma política prioritária para os governantes. “Um dia após o outro/ Aqui largado esquecido/ Feito bosta no esgoto”.
WU sai em defesa dos oprimidos denunciando o estado negligente: “Eu precisava de um espaço pra cuspir umas verdades. / Aqui é Brasil, onde o dinheiro quase tudo pode comprar. / Advogado, promotor, juiz e alvará. /Dizem que a justiça é cega. / Mas também deve ser surda. / Vários gritando por socorro e ela não escuta”.
Assim estão as instituições republicanas desacreditadas nas palavras que só poetam são capazes de usar. Ao longo da história da humanidade as verdades aparecem na boca dos profetas, dos artistas e poetas. Precisamos das artes para ouvir e refletir sobre o que precisa mudar.
Continua falando da importância do conhecimento para a libertação de um povo e cobra por mais escolas em tempo integral para dar oportunidade aos brasileiros: “os menores do porte disciplinado. / Especialistas em cobrar o errado. / Soldados do tráfico de drogas. / Que impera em todo o Brasil. Criança longe dos estudos. / Perto do fuzil”…”Menor sem nada no estômago e na mente uma solução. / De dia no tráfico, na noite comida no prato. / Que de uma forma ilícita. / Alimentou sua família”. Atenção para esse alerta! Quando o estado nega às crianças acesso à escola lhe joga na mão do crime para que possam sobreviver e muitas vezes alimentar a própria família. Elementar essa equação social.
Descreve a discriminação social e racial na abordagem policial:
“Que por ser negro. / Foi confundido com bandido. / E ao tentar tirar a chave da mochila. / Foi executado com três tiros”…”Eu tenho que fazer valer a pena. / A luta dos meus ancestrais. / Pastor King, MalconEx e Mandela. /Meus heróis/ Quem diria…Aqui é W.U./ Diretamente de uma cela fria.
W.U. é Wevertoon Ucelli da Silva, brasileiro afrodescendente, poeta e em liberdade após ter cumprido pena no inferno do sistema penitenciário brasileiro.
SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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