Por Miranda Sá

“O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente…” (Mario Quintana)

A intenção maldosa de ofender às vezes sai pelo contrário; por três vezes nesta semana me chamaram de “velho” nas redes sociais, mandando-me recolher, e, em vez de me irritar, senti-me elogiado e apenas registrei a falta de educação.

Falta de educação é uma conduta de filho de chocadeira, que não teve mãe nem pai para ensinar convivência com outrem. Quando menino, meus pais educaram-me para respeitar crianças, mulheres e velhos; e quem não os tratar assim sofre uma deformidade moral.

Deixando de lado o sentimento doentio dos mal-educados, digo-lhes que o meu recolhimento, é inaceitável, quando vejo no governo dezenas de militares da minha geração defendendo o negativismo; assim, para fazer-lhes oposição de igual para igual (exceto pelos altos salários acumulados deles) não renuncio à participação na rede social.

Para escrever este artigo, refleti que não sou o único exemplo na exclusão etária dos que querem impedir a livre expressão do pensamento nas redes sociais; são centenas de internautas idosos, expondo experiências, mostrando cultura e polemizando em defesa das opiniões próprias, e como eu, sofrendo também discriminações.

Lembrei-me de uma historinha que pesquei entre muitas que coleciono, com a artista francesa Mistinguett, cantora que brilhou nos palcos e nos filmes, deixando a sua lembrança gravada na memória de várias gerações.

O antigo empresário dela visitou-a e revelou que estava trabalhando numa peça e pensava em aproveitar uma atriz idosa num monólogo em que expõe as experiências acumuladas para uma jovem que lhe pediu conselhos.

– “Este papel me entusiasma”, falou Mistinguett, que tinha 81 anos na época. – “É excelente esta ideia”, e perguntou a seguir: – “… E quem vai protagonizar a velha? ”.

É isto. O artista que é artista pode atuar como qualquer personagem, seja de que idade for; é como os jornalistas do meu tempo, cuja formação humanista e cultura acumulada, lhes permite assumir qualquer pauta, seja da sua especialidade ou fora do contexto.

Um bom ator aprende a interpretar todos os tipos de papéis, do mesmo modo como um jornalista vocacionado conduz uma matéria sobre qualquer assunto. É assim que no meu caso particular procuro fazer mesmo amadoristicamente, desgostando os fanáticos cultuadores de personalidade.

Se lhes aborreço e instigo o ódio enfermiço do fanatismo político ou religioso, agrado em contraposição um grande número de seguidores e jovens leitores dos meus artigos. Na minha atuação como internauta, sigo uma lição de Goethe que me acompanha desde que entrei no Twitter: – “Quando se é velho, é preciso ser mais ativo do que quando jovem”.

É talvez por causa da minha atividade aos 87 anos de idade que eu tenho incomodado os recém-chegados à rede social sem formação adequada, cujo único argumento numa polêmica é a intolerância. São palermas que se fanatizam pela política, sem pensamento próprio, levados a seguir bovinamente lideranças demagógicas, juntando-se a mercenários que se põem a serviço do poder atuando fraudulentamente por dinheiro.

Assim denunciaram os influencers que receberam verbas do Governo Bolsonaro para defender o tratamento precoce; e tem outros que ainda continuam elogiando remédio contra piolho para curar a covid-19, por vergonha de admitir que venderam a consciência.

Encontro numa ilação sobre a velhice atuante, muitos que defendem suas ideias com destemor, levando-me a reconhecer e aplaudir esses que envelheceram com dignidade.

Da minha parte, valho-me de Paulinho da Viola, navegando como “um velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar!”


MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.