Redação –
Única mulher a comandar um estado brasileiro, Fátima Bezerra (PT), governadora do Rio Grande do Norte, defende a paridade de representação de gênero no Congresso. “É o correto. Nós, mulheres, somos mais da metade população e somos sub-representadas na política”, diz.
Seu estado teve, com ela, três governadoras —maior número do país. Também foi lá que, em 1927, a primeira mulher se registrou para votar (nacionalmente, o sufrágio feminino só veio em 1932) e, em 1928, foi eleita a primeira prefeita do Brasil.
COMANDO FEMININO – No governo de Fátima, contudo, apenas cinco dos 21 postos do primeiro escalão são ocupados por mulheres. Ela reconhece que a situação não é ideal, mas afirma que há outros postos importantes sob comando feminino, como a chefia da Polícia Civil.
“Nós queremos avançar cada vez mais”, diz, em entrevista à Folha. Para a governadora, a esquerda brasileira precisa deixar a vaidade de lado, se unir e pensar no Brasil.
Como é exercer o poder, na atual conjuntura do país, sendo a única mulher à frente de um estado brasileiro?
Olha, é um exercício pautado por desafios imensos, considerando especialmente a situação de calamidade fiscal financeira e orçamentária grave em que eu encontrei o Rio Grande do Norte.
Seguramente, assumi o governo enfrentando a mais grave crise fiscal da sua história. Para se ter uma ideia, peguei o estado com quatro folhas em atraso. Encontrei o estado, por exemplo, que não cumpriu, em 2018, o preceito constitucional no que diz respeito à questão da saúde, que tem que investir no mínimo 12%.
Posso dizer aqui hoje, após um ano, que estamos arrumando a casa. Isso se deve, sem falsa modéstia, ao discernimento, à capacidade que eu tive de formar uma excelente equipe, inclusive com várias mulheres, onde não abri mão do perfil técnico e do compromisso político com o processo de desenvolvimento em curso que estamos implementando de inclusão social.
Vivemos um momento de ataques sexistas crescentes em várias áreas de atuação, inclusive na política. Como a senhora reage a isso e que saídas enxerga?
Infelizmente, houve um crescimento [do sexismo] no país. Você vê as atitudes eivadas de toda misoginia, desrespeitos à questão da mulher. É mais do que lamentável. É revoltante. Acho que, infelizmente, esse clima de polarização, essa coisa toda, esses ataques às mulheres, acaba alimentando o fenômeno do feminicídio, que tem crescido em nível nacional.
A melhor forma de se contrapor a isso é cada vez mais afirmar uma cultura de paz, de respeito, de tolerância. Portanto dizendo não a toda e qualquer violência, discriminação e qualquer tipo de preconceito.
A senhora foi deputada estadual, federal e senadora antes de se tornar governadora. A reação machista é maior quando a mulher sobe um degrau na hierarquia do poder?
O mundo da política, infelizmente, é um mundo muito machista. É só olhar os números aí. Somos muito poucas nos chamados espaços de poder.
Veja, por exemplo, temos no Brasil apenas 161 deputadas estaduais [eleitas]. No Rio Grande do Norte, só são três. Deputadas federais, de um total de 513 parlamentares, só temos 77 mulheres [eleitas]. No Senado, a situação piorou. Temos apenas sete senadoras [eleitas em 2018, e 11 em atuação]. O Brasil tem uma dos piores colocações no ranking no que diz respeito à participação da mulheres na política no mundo.
Evidente que isso se deve a toda uma questão do ponto de vista cultural que permeia isso que é a cultura do patriarcado. É muito desafiador a mulher galgar esses degraus. É muito difícil, mas temos que ousar. Sou um exemplo disso.
Há também machismo nos partidos políticos, em especial para definição de candidaturas. As cotas não dão conta de reverter essa situação?
Dão não. Elas foram importantes, são necessárias, mas são insuficientes. Temos que avançar no país e lutei muito quando estava no Congresso.
Essa luta continua no sentido de garantir não apenas o direito de a mulher ser candidata, mas garantir que nós tenhamos uma quantidade x de assentos. Eu, particularmente, comungo com a tese do meu partido, o PT, que é a tese da paridade. É o correto. Nós, mulheres, somos mais da metade população e somos sub-representadas. Isso não é saudável.
Mas, no seu próprio governo, não existe paridade no primeiro escalão. Dos 21 postos, há apenas cinco mulheres como secretárias. Não há um contrassenso entre discurso e prática?
Veja bem, nós queremos avançar cada vez mais. Sem dúvida nenhuma, eu gostaria de ter mais mulheres ainda à frente do secretariado. Concordo com você. Esse é nosso sentimento de avançar cada vez mais nesse contexto.
O que impede?
Nós colocamos mulheres em postos importantes como agência de fomento do Rio Grande do Norte. É liderada por uma mulher. Outro exemplo é a Polícia Civil. É comandada por uma mulher. Temos também uma agência de gás aqui no estado que é comandada por uma mulher.
Apesar de não serem secretárias, eu diria que estão exercendo determinadas funções que têm uma repercussão do ponto de vista da vida social e econômica das mulheres e dos homens maior do que determinadas estruturas de secretarias.
Mesmo diante desta calamidade financeira e sem poder criar novos cargos, fizemos uma reordenamento administrativo aqui dentro e criamos uma Secretaria de Mulheres, da Juventude e da Igualdade Racial. Não é fictícia não, viu?
O país vive uma crise grande nas PMs. No RN, policiais que fizeram motim já foram anistiados no passado. A senhora defende aprovação de uma PEC no Congresso para proibir anistia a policiais amotinados?
Eu acho que esse debate tem que ser feito no plano nacional. Precisamos ter cuidado para separar as coisas. Uma coisa é um policial, seja civil, militar, bombeiro, que luta legitimamente por seus direitos, por melhoria salarial e condições dignas de trabalho. Isso é uma coisa, que a gente tem que reconhecer. Outra coisa, infelizmente, é quando o agente de segurança ultrapassa esse papel, chegando à tragédia que aconteceu no Ceará. Aí, não. Aí não pode acontecer de maneira nenhuma.
A senhora é contra a anistia nesses casos então?
Acho que para aqueles que cometem esse tipo de delito, de confundir o papel institucional tão importante que tem enquanto agente de segurança, sim. Não tem como. Trabalhar com rosto coberto, isso tem que receber um outro tratamento. Quero dizer que aqui temos tido um relacionamento extremamente respeitoso com todas as categorias que formam os agentes de segurança pública no nosso estado.
A senhora acredita que o ex-presidente Lula ainda não encontrou um discurso de oposição claro após a saída da prisão? O que ele traz para atrair quem não votou no PT em 2018?
Acho que o discurso de Lula continua sendo um discurso muito sintonizado com o coração da maioria do povo brasileiro.
Digo isso porque, até hoje, ele está muito presente na memória do povo brasileiro, do povo mais pobre desse país. O legado imenso de avanços na área social e inclusão. Afinal de contas, só quem conseguiu ver seu filho realizar o sonho de se matricular numa excelente escola técnica, de realizar o sonho de o filho fazer um curso de medicina no interior do Rio Grande do Norte, sabe perfeitamente o valor que isso tem. O discurso dele é cada vez mais forte, sobretudo, nesses tempos que a gente vive de pibinho de 1%.
Mas quais caminhos a senhora acha que a esquerda brasileira precisa trilhar?
Primeiro, acho que é preciso uma frente de perfil progressista com um horizonte de centro-esquerda. É este o caminho que nós temos que trilhar. Temos que deixar toda e qualquer perspectiva individualista de lado, vaidade de lado, e pensar no Brasil.
Isso inclui Ciro Gomes?
Eu incluo todo o mundo. Todo mundo, leia-se, quando falo do perfil de centro-esquerda. Por favor, só fazendo essa observação. Esse é o caminho. É a unidade das forças do campo popular e democrático. Foi isso que nós fizemos em um passado recente e esse é o caminho que nós temos que trilhar.
Fonte: Folha, por João Valadares
MAZOLA
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