Por Kakay

“É hora de recomeçar tudo outra vez, sem ilusão e sem pressa, mas com a teimosia do inseto que busca um caminho no terremoto.”
– Carlos Drummond de Andrade.

O Brasil é um país sem memória. Por não termos punido os ditadores e torturadores da ditadura de 1964, não pacificamos a sociedade. E não nos cuidamos de cassar o obscuro deputado fascista que, ao votar pelo impeachment da presidente Dilma, evocou, no plenário da Câmara, o torturador dela, o bandido Brilhante Ustra.

Como nada foi feito, eles voltaram ao poder e o deputado Bolsonaro virou presidente da República. Não nos atentamos ao aviso do grande Bertolt Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Neste país do esquecimento, hoje nos deparamos com a triste marca de 700 mil mortos pela covid. Embora o ritmo dos óbitos tenha sofrido sensível declínio em razão da vacinação, ainda somos o 2º maior país em número de mortos. E não se vê nenhum movimento sério e organizado para punir o responsável por, pelo menos, 300 mil mortes, pela irresponsabilidade e determinação de fazer uma política macabra no não combate à pandemia.

Convivemos hoje com milhares de cadáveres insepultos por terem tido a vida tirada fora da hora. E o governo fascista jogou no mundo sombrio da insegurança alimentar 33 milhões de brasileiros. O fascismo continua nos rondando. Remete-me a Ernest Hemingway, no livro “Por quem os sinos dobram”, em 1940:

“Você é comunista? – Não, sou um antifascista. -Faz muito tempo? – Desde que entendi o que era fascismo.”

Agora, vivemos um grave movimento das viúvas da operação Lava Jato, que foi desmascarada pelo Supremo Tribunal de modo que o ex-juiz Sergio Moro, líder dos procuradores de estimação, foi considerado suspeito e incompetente tendo todos os seus processos, em relação ao seu alvo preferido, o presidente Lula, sido anulados. Mas elas teimam em resistir às decisões democráticas e insistem em voltar ao sibiloso mundo das trevas, no qual habitavam e ainda habitam.

Os sinais se dão, não só pelos seguidores fanáticos da criminosa operação, mas também por meio de seus representantes no Congresso Nacional. Com a posse da democracia, pela vitória do presidente Lula, os instintos vingativos se acirraram. Mais uma vez, eles demonstram que não respeitam limites na guerra pelo poder.

Durante o auge da operação, era rotineiro ver o grupo coordenador da Lava Jato perseguir qualquer um que ousasse apontar os abusos, advogados inclusive. Muitas vezes fui alertado por policiais e procuradores sérios de que delatores covardes e sem caráter eram pressionados a falar meu nome como forma de negociar o acordo. Nos interrogatórios, expressamente, citavam meu nome, dentre outros, para servir de moeda de troca. Pressionavam. Torturavam psicologicamente. E, o pior, existia um grupo de advogados que se prestava a ser linha auxiliar desses pústulas. Com o apoio massivo da grande mídia, eles massacravam quem resolvesse mostrar as inúmeras inconstitucionalidades. Foi uma época de terror. Não havia nenhum limite.

A fala recente do ministro Gilmar Mendes, quase conclamando que as autoridades tomem atitudes concretas para apurar a responsabilidade do agora senador Sergio Moro, impressiona. Com as lufadas rigorosas de ares democráticos na sociedade, os lavajatistas recrudesceram, especialmente o chefe deles.

Durante todo o reinado do ex-juiz Sergio Moro, na 13ª Vara Federal de Curitiba, ele, que mandou prender Tacla Duran, não aceitou o depoimento desse senhor como testemunha em alguns processos. O advogado fazia pesadas acusações contra o magistrado, contra o procurador de estimação, contra a mulher e o seu sócio, além de um outro advogado. Imputações, ao que constam, de corrupção e extorsão. Seria verdade? Não cabe a mim investigar, nem acusar, mas, certamente, faz-se obrigatório um esclarecimento dos fatos. O então juiz usou sua força para tentar impedir a investigação.

Agora, o inacreditável parece estar acontecendo: com a posse como senador, outro magistrado assume o cargo no lugar do antigo, parcial e suspeito. E o hoje senador, em sinal claro de descontrole emocional, investe na acusação de suspeição do atual juiz titular, tentando impedir que os documentos apresentados pelo advogado Tacla Duran sejam periciados e investigados.

É absolutamente inconcebível. Um ex-magistrado, que instrumentalizava o Judiciário, querer usar o prestígio do Senado da República para barrar uma apuração que, em tese, pode apontar responsabilidade criminal para ele e seu grupo. Por uma estranha coincidência, o agora juiz titular, que cumpriu a Lei e ouviu Tacla Duran, pediu proteção policial e até o direito de portar arma para defesa, pois estaria preocupado com grupos poderosos e com alto poder financeiro. Parece até um filme antigo de gângster, mas é a realidade.

É evidente que a investigação, agora, cabe a uma Polícia Federal independente e séria que não aceitará pressão. O tempo do governo Bolsonaro, ao qual serviu Sergio Moro, em que havia uma clara e deliberada interferência em diversos órgãos acabou. Sopram os ares democráticos, embora os lavajatistas fanáticos ainda estejam incrustados em todos os lugares: na Polícia, no Ministério Público, no Judiciário e na imprensa.

Uma inesperada aliança, Moro e Bolsonaro, se fortalece para enfrentar e derrubar a democracia. Quem corrompeu o sistema de Justiça, trabalhando por dentro do Poder Judiciário, se une a quem corrompeu e afrontou todas as instituições democráticas, como em uma guerra surda e cega pela sobrevivência. Eles sabem que a luz do dia os cega, que a democracia os sufoca e que a liberdade forjará cada vez mais homens e mulheres que não aceitam ser subjugados. E esses seres teratológicos só sabem viver no esgoto, não sobrevivem ao ar puro do Estado democrático de direito.

Muito difícil enfrentá-los, pois são desprovidos de ética e de limites. O medo de processos que os leve à cassação dos direitos políticos e à prisão, torna-os ainda mais insidiosos e agressivos. A sociedade tem que reagir com o uso democrático da lei. Não podemos nos abaixar na hora do tapa. É necessário resistir para manter as bases democráticas. Sem heroísmo, apenas cumprindo a Constituição.

Lembro-me da história de uma briga de galo, numa rinha em Salvador. Chegou um incauto e perguntou para o organizador, antes de um confronto entre um galo branco e um negro: “qual é o galo bom?” e o homem respondeu que “o bom é o negro”. O apostador jogou tudo no negro e, em 2 minutos de luta, o branco matou o negro. Indignado e frustrado, o homem protestou: “O negro não era o bom?”, e escutou: “Sim, ele era o bom, o branco é o malvado.”

A vida é um pouco assim. Como nos ensina Guimarães Rosa, “esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.

Publicado inicialmente no Poder360. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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