Por Lincoln Penna –
A Revolução Russa foi o resultado de muitos fatores, a começar pela derrota do império tzarista frente ao Japão em 1905 e que culminou com nova derrota durante a Primeira Guerra Mundial, em meio a qual o Estado se viu estilhaçado e seu povo a sofrer as amargas e duras consequências.
Na primeira derrota, surgiram os sovietes, isto é, os redutos a juntar povo (camponeses e operários) com soldados de modo a constituir conselhos populares sob a forma de células, que em pouco tempo se espalharam pelo território russo. De início, Lênin que já despontava como grande liderança da ala majoritária da social democracia dos trabalhadores russos, a dos bolcheviques, esforçou-se para dar eficácia a esses núcleos revolucionários, pois eram formados por várias correntes.
Para que houvesse unidade de ação nesses conselhos era preciso que se dissipassem as pequenas diferenças de avaliação e até eventuais divergências. Daí, ter junto aos bolcheviques instituído o princípio do centralismo democrático. Pretendeu, assim, que pudesse estendê-lo também aos sovietes. Para tal, veio em seguida a conceber a consigna de todo o poder aos sovietes.
Dessa maneira, pode unificar as tendências de seu partido com a dos mencheviques (minoria da então social democracia russa), juntamente com os socialistas revolucionários, entre outras correntes minoritárias nesse mosaico que se constituiu ao longo do período que compreendeu os anos de 1905 a 1914.
Quando a Rússia entra na Grande Guerra desencadeada em 1914 e nela permaneceu, somente os bolcheviques se manifestaram contra a permanência de seu país num conflito do qual nada tinha a ver uma vez que se tratava de contenda interimperialista. Lênin defendeu na ocasião a paz para evitar mais perdas, sobretudo nas classes trabalhadores. Estas não poderiam ser bucha de canhão para satisfazer vaidades e interesses antipatrióticos.
Em fevereiro do calendário Juliano que dista 13 dias de diferença em relação ao calendário gregoriano, que seria adotado posteriormente, deu-se a queda do regime tzarista. Foi a Revolução constituída por um conjunto de forças sob a presidência de Kerenski. Seu erro foi manter a Rússia na guerra diante da forte oposição dos bolcheviques, que acabaram por romper com o vacilante governo, que aparentava ser de união nacional.
Essas diferenças provocaram, então, a segunda Revolução no ano de 1917, em 25 de outubro ou 7 de novembro, aquela que estaria sob a hegemonia bolchevique. Mas, Lênin considerava importante preservar o papel dos sovietes, razão pela qual não só passou denominar a Revolução de Soviética como iria constituir dois organismos com essa denominação: o Soviete Supremo e o Soviete das Nacionalidades.
No primeiro concentraria o poder político decisório do novo regime, ao passo que o segundo abrigaria todos os povos da grande Rússia, assim com outros que viessem a formar o novo Estado. Era uma forma de manter unido o universo plural das composições soviéticas que tinham tido papel saliente e até decisivo no processo revolucionário russo.
Lênin enfrentaria muitas opiniões contrárias dentro de seu partido. Em algumas ocasiões foi até derrotado em função do protagonismo dos integrantes de seu partido. Contudo, manteve sua liderança incontestável sabendo conduzir os anos de enormes dificuldades por que passava a Rússia ao fim da guerra.
Soube inteligentemente dar um passo atrás para fazer avançar dois adiante, quando introduziu a Nova Economia Política. A NEP resultou de uma avaliação segundo a qual era preciso desenvolver os fatores infraestruturais para que o país pudesse incrementar suas forças produtivas. Chegou a dizer que a eletricificação do país significaria a mais rápida chegada ao socialismo, dando a entender que o êxito da Revolução passava por dar condições ao esforço de industrialização.
Com isso, logrou recompor dentro dos limites possíveis a economia devastada que a Revolução herdou do império dos tzares. Teve tempo de formar a primeira fase da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) pouco antes de falecer em janeiro de 1924.
Mas, que lições devemos tirar do exemplo de uma liderança como a de Lênin? Penso que algumas podem ser levadas em consideração. Em primeiro lugar, a capacidade de entender que a realidade implica em sua apreensão real e não fantasiosa de nossos desejos, e sobre ela cabe ajustar a teoria revolucionária com a prática que as revoluções exigem. Ao apreender essa realidade Lênin pôs em prática as táticas correspondentes a cada momento do processo histórico.
Diante da compreensão da realidade, Lênin soube promover avanços e recuos táticos que acabariam com avanços seguros rumo ao prosseguimento da Revolução. Lidou com as divergências sem jamais execrar aqueles que se opuseram a sua orientação.
As revoluções de grande porte não servem necessariamente de modelos para serem copiados. Mas, as suas lideranças podem inspirar o surgimento de lideranças que tenham como propósito incrementar ações visando a modificação de realidades que impedem os justos interesses de parcelas majoritárias do povo. E neste caso, a Revolução Russa ou Soviética, que embora tenham também a denominação de bolchevique, é singular. Não dá para ser referência, salvo os que se impõem como modelo de dirigente. É o caso de Lênin.
O mesmo se poderia dizer de todos os que nas grandes revoluções contemporâneas tiveram a oportunidade de demonstrar o tirocínio diante dos desafios que os processos revolucionários colocaram. E em geral, essas figuras, conseguiram reunir as virtudes de um revolucionário, dado que, no caso de Lênin, foi além de revolucionário, pois exerceu com firmeza e clarividência a condição de chefe de Estado, além de ter sido o intelectual orgânico de seu povo.
Claro que as revoluções de nosso século XXI por certo terão nortes e processos distintos das revoluções do século passado. Mas, a pertinência, a capacidade de perceber as múltiplas implicações de sociedades tão diferenciadas, de modo a acomodar velhas e surradas estruturas arcaicas com o que há de mais inovador, imposto por outro tipo de revolução, a da ciência e tecnologia, são os novos desafios a serem vencidos.
O mundo mudou, mas as tarefas de lideranças não se alteraram, porque a elas se colocam os velhos problemas decorrentes das sociedades desiguais de um modo de vida capitalista cada vez mais desagregador. Afinal, não nos surpreende num emaranhado de sociedades marcadas pelas desigualdades, que fazem parte da velha luta de classes, cada vez mais presente em nossos dias.
Superá-las requer determinação, mas também compreensão de que não basta ter vontade, é preciso lutar no campo das ideias. Este campo se encontra minado pela ideologia das classes dominantes, que moldam a visão de mundo das classes subalternas.
Trata-se de um combate fundamental diante do qual é imprescindível que tenhamos clareza, lideranças inteligentes e sábias politicamente.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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