Por Kakay –
“Está achando ruim essa composição do Congresso? Então espera a próxima: será pior. E pior, e pior…”.
– Ulysses Guimarães
Outro dia, em um dos vários grupos de que faço parte –sempre prometo sair de alguns e não consigo–, critiquei, lamentando, o recrudescimento do direito penal no Brasil com os projetos que tramitam no Congresso Nacional.
Constatava o que para mim era óbvio: com o fortalecimento da ultradireita, no país e no mundo, viveremos uma realidade na qual os direitos humanos e as garantias individuais serão objeto de escárnio pela maioria. E, em uma democracia como a que vivemos, essa tal maioria banca o jogo e dá as cartas.
Vejo, com grave preocupação, uma razoável parte da dita esquerda democrática sucumbindo às teses punitivistas para continuar no jogo com um olhar politiqueiro e sem nenhuma densidade ideológica ou humanista.
Comentei que estava cada vez mais difícil advogar no direito criminal. Recebi uma resposta interessante de um companheiro. Ele defendia que, com o endurecimento do processo penal, os advogados terão mais e mais clientes, devido a essa onda de punir para dar exemplo de moralidade a uma sociedade ávida por conceitos que rasgam todos os princípios humanitários.
É sempre difícil fazer entender o embate entre barbárie e civilização. Não vejo o direito penal sob o prisma das oportunidades de trabalho para o criminalista, embora entenda quem assim o faz. Minha visão procura ser sempre sob a perspectiva dos que sofrem e sofrerão a mão pesada do Estado punitivo.
É disso que trata a tensão permanente que permeia a política, cada vez mais dura, no enfrentamento da fúria punitiva que embala a direita mundial. Com essa onda política extremista, no Brasil e no mundo, nós estaremos progressivamente pregando no deserto. A pauta de costumes e a necessidade de acabar com garantias no âmbito criminal vão ser a tônica destes tempos que se anunciam brutos.
Uma das perplexidades que assola quem ainda quer pensar sobre a ótica das garantias individuais é a de como manter uma coerência humanista e competir com as teratologias desse crescente movimento ultradireitista. Hoje, a moda é posicionar-se abertamente, com a arrogância própria da ignorância, contra os direitos dos menos favorecidos, das minorias, dos negros, dos imigrantes e das mulheres.
Enfim, ser contra a humanidade estrito senso dá voto e prestígio. Ser contra a inclusão social passou a ser chique em boa parte não só da sociedade, mas dos representantes políticos que adoram arrotar que o crescimento do pensamento direitista é o que interessa, pois mantém os privilégios dessa casta.
Sim, é disso que se trata. Essa gente resolveu assumir que é necessário mesmo aumentar o fosso para que não seja possível o acesso dos invisíveis a uma vida digna, com o pressuposto que o mundo não comporta tanta gente dividindo o mesmo espaço. Na verdade, sempre foi meio assim, mas me parece que, agora, há uma determinação de mostrar que é necessário excluir os que pensam que é possível defender direitos para todos. Nós, democratas, viramos leprosos nesse mundo que se anuncia.
A resistência tem que ser contínua e deve passar, quero crer, por uma certa mudança nos nossos embates. A divergência com o pensamento bárbaro da extrema-direita, muitas vezes fascista, é uma consequência lógica do nosso jeito de estar no mundo. Mas penso que é necessária uma reflexão sobre os que, em tese, estão do mesmo lado da trincheira.
A postura de sempre ceder para sobreviver politicamente está, em muitos momentos, fortalecendo a barbárie. Há uma falta irritante de pensamento crítico. A opção pelo desprezo aos direitos humanos na área criminal –sim, é disso que se trata– parece ser uma batalha já ganha pelos que defendiam a tese de que nós somos defensores de bandidos e que bandido bom é bandido morto. Antes de enfrentar os nossos velhos e conhecidos opositores, faz-se necessário voltarmos para uma definição de postura dos que, teoricamente, terçam espadas conosco pelo bom combate.
É preciso uma reflexão sobre como nos posicionarmos. Se a ultradireita está crescendo assustadoramente e se assumindo com um orgulho desdenhoso, o nosso recuo não estará fazendo o jogo da barbárie?
Sempre defendi que temos que estar do lado da civilização e não podemos adotar os métodos daqueles que combatemos –pois, senão, teremos perdido a batalha que interessa. É um pouco o que estamos vivendo neste momento dramático de Trump, Le Pen, Milei, Bolsonaro e que tais.
Não devemos pensar em manutenção política, o que me parece estar em jogo é muito mais. É a sobrevivência civilizatória. É disso que se trata e cabe a cada um dar um passo à frente.
Sempre nos lembrando de Ernest Hemingway:
“–Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
“–E isso importa? “
–Mais do que a própria guerra”.
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 65 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.
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