Por Luiz Carlos Prestes Filho

Dia 3 de janeiro, lembro desde a tenra infância, bem cedinho, minha mãe soltava fogos de artifícios. Todos na cama, surgia aquele estrondo pertinho. Sempre vem na memória o barulho desses fogos, da época quando era criança em São Paulo e nas férias em Santos. No exílio, em Moscou, entre 1970 e 1979, parecia que mamãe tinha acabado com isso. Que nada! Quando voltamos com a anistia para o Brasil, os estrondos também voltaram. Ainda ouvi seus fogos na Gávea e em Saquarema.

Um antigo companheiro do meu pai me contou que ele sempre escondia um foguete, entre aqueles que comprava para saudar a virada do ano: “Guardava para o dia 3 de janeiro! Através dos fogos eu contava quantas as casas do meu bairro estavam comemorando. E pipocavam fogos pertinho, outros de longinho.”

A mamãe fazia questão de que a sua explosão fosse bem cedo. Tinha que ser a primeira da corrente comunista. Primeiro o seu foguete, depois, que viessem os outros.

Agora os fogos não podem ter barulho. Dizem até que não são foguetes e sim “artefatos pirotécnicos”. É proibido por lei! Quem descumprir é multado e quem reincidir em um período de 30 dias pode ter o valor da multa dobrado.

Uma autoridade afirmou: “Sabemos que há uma parcela da população que se mobiliza em torno disso devido aos transtornos que esses fogos com barulho causam para a saúde, é importante dar o devido crédito a quem tomou a iniciativa de proibir.”

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) o nível de ruído recomendável para a audição é de até 50 decibéis (dB). Mas uma rua movimentada gera 85 decibéis; um cortador de grama chega a 100 dB; um avião a jato produz 120 decibéis de ruídos na decolagem; o barulho de um escritório é de 60 dB; e o de um liquidificador 75 dB.

Então devemos ficar mesmo no cochichar, atividade que gera 15 decibéis ou nos esconder num jardim tranquilo que pode chegar, no máximo, a 30 decibéis.

Este ano, conversando com a minha mãe (vídeo abaixo), propus a ela soltar fogos de artifícios virtuais pelo computador, tablet e celular no dia 3 de janeiro. Ela concordou: “Vamos comemorar o aniversário de Luiz Carlos Prestes, com uma corrente bem diferente daquela da minha infância, no Recife. Meu pai, militante clandestino do Partido Comunista Brasileiro (PCB), organizava grupos em sete bairros. Depois que um grupo lançava seus foguetes, um outro, mais distante, fazia o mesmo e assim sucessivamente. A polícia ficava doida, não conseguia acabar com a nossa homenagem ao Cavaleiro da Esperança“.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).