Por Ricardo Cravo Albin

Quem escreve sobre assuntos mais reveladores pode estar sujeito à surpresas.

No meu texto anterior, o título já assegurava (segundo o Censo de agora) que o Brasil não era mais branco. Era majoritariamente um país de pardos. Para minha surpresa (e desgosto) recebi reclamações, algumas até bastante raivosas. Destaquei acima a palavra desgosto entre parênteses porque sempre amei a auto definição de Vinicius de Moraes – “o branco mais preto do Brasil”. Eu mesmo bem que gostaria de ter pele morena, e não a branquidão europeia que me habita, embora tendo a nítida consciência dos preconceitos ainda sofridos por tantos amigos de descendência africana, direta ou indireta. Até por isso, sei que receberei mais correspondências. Que venham. Razão por que me apetece aqui fornecer novos dados revelados do Censo sobre as cores dos brasileiros.

Para satisfazer de imediato os esquadrões de brancos, saibam que o município de declarados mais brancos do país fica no Rio Grande do Sul (e fica a 182 Km de Porto Alegre). Ostenta 97,4% de brancos, no total de três mil habitantes. O Censo ainda apurou as minúcias de 1,7% declarados pardos e 0,8% preta. Há apenas um indígena e uma pessoa que se declara amarela.

Já que citei o amarelo, a porção com maior percentual de autodeclarados desta cor não está em São Paulo, não. E sim no Paraná, no município de Assaí, de 15 mil habitantes, com 11,5% totais de descendentes de japoneses, que conservam fervorosamente danças e arquiteturas do Japão. A cidade começou como colônia alemã em 1826 e logo atrairia grande número de amarelos, em especial pela fertilidade de seu solo.

Já o Amazonas abriga o município com maior número de pardos do país, a cor nacional majoritária declarada pelo Censo. São os pardos 92,7% da população de Boa Vista do Ramos no estado do Amazonas, cidade com quase 24 mil habitantes fundada no fim do século XVIII, e que ficou reconhecida como cenário de lutas na Cabanagem, que pugnava (vejam a tenacidade do povo pardo) pela independência da região entre 1836 e 1840. Hoje, a cidade é chamada “a mais doce do Amazonas” pela produção de mel. E por que não – indago eu – pela maioria ostensiva dos pardos?

Agora a grande curiosidade de todos, qual a cidade mais preta do país? Tire da cabeça quem apostou na minha Bahia. Saibam que ela fica no Maranhão, e se chama Serrano do Maranhão. Dos seus 10,2 mil habitantes, o Censo indica que 58,5% se designam pretos. Apenas 2,7% são brancos, e pardos se declaram 38,7%.

Para grande pesar pessoal deste que lhes escreve, a maioria da cidade mais preta do Brasil (ela fica a 187Km da capital São Luiz) ainda mora em quilombos e enfrenta péssimos serviços de saúde e educação. O pior: sua população ainda luta para ter seu território reconhecido.

Finalmente, anoto agora a população mais indígena: Trata-se de Uiramutã, com 96,6% de habitantes declarados indígenas. Fica em Roraima na tríplice fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela. Segundo o IBGE metade da população tem 15 anos ou menos. Segundo pesquisas, dentre todos os grupos raciais, o indígena detém o menor índice de longevidade. E por que? Por falta de acesso à postos de saúde e hospitais. A vida isolada determina essa tragédia. Além, todos sabemos, da contaminação ambiental provocada pelos usurpadores das terras dos povos primitivos e, fiquem certos, pelos simples e diretos assassinatos cometidos contra os milenares donos das terras brasileiras.

Mas, antes de um ponto final neste artigo, questiono a existência de um organismo em defesa de grupos raciais mais sacrificados do país, os negros e os indígenas. Cabe se impor um clamor em referência às estatísticas vergonhosas que ocorrem aos irmãos pretos em Serrano do Maranhão.

A quem pedir socorro??

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

Tribuna recomenda!